14 março 2007

A Lei e a Ordem, de Ralf Dahrendorf


A Lei e a Ordem, de Ralf Dahrendorf
Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1997

Livro de grande oportunidade, dada a desordem e o regresso por que passa nosso país em face do sucateamento das instituições jurídico-políticas do Estado “empreendedor” brasileiro. Título que vem bem a calhar para um novo entendimento das razões inconfessáveis por que se retirou do dístico de nosso pavilhão auriverde exatamente o princípio da justiça, nos restando o progresso como fim e a ordem como base. Puro pastiche quando se sabe que sem o princípio da justiça não há nem ordem nem progresso.
O sociólogo alemão abre sua investigação sobre a anomia do estado exatamente na Alemanha do pós-guerra, destruída não só pelas sucessivas violações legais das potências aliadas como sobretudo pelas violências sociais e políticas internas que levou a cultura alemã à barbárie.
Se na Alemanha nazista é o estado totalitário que se esfacela, no Brasil democrático e delinqüente são as liberdades civis que não são mais garantidas por um estado falido e desmoralizado pelos sucessivos escândalos de corrupção. E o crime não tem recrudescido apenas no Brasil. Para Dahrendorf, é um fenômeno mundial, tendo o índice multiplicado por três na maioria dos países ocidentais. A diferença está na efetividade da execução penal.
A diferença está na igualdade de todos diante da lei. Pois todos somos iguais na nossa humanidade. Jamais na capacidade de nos singularizarmos socialmente. Todos somos iguais na condição humana, jamais no mérito de nos distinguirmos pela iniciativa. Todos somos iguais nos deveres civis, jamais no empenho e na decisão do risco que corremos e dos lucros que auferimos. Iguais diante do destino que nos reserva a todos o mesmo fim e desesperança. Somos todos iguais nas nossas absolutas diferenças, como já preceituava nosso grande Rui Barbosa.
A anomia (de nomos, do gr. lei, norma), como fenômeno de sociedade sem processo legal nem instituições que o assumam, começa quando um número elevado de violações de normas torna-se público pela mídia sem a correspondente punição exemplar. É quando parece que o crime vale a pena ser praticado e a opinião dominante é que é certo se escapar da pena. Ou seja, a chamada cultura de impunidade brasileira tem dado estatístico quando as pesquisas dos tribunais concluem que apenas 4% das denúncias de crimes têm seus processos concluídos. Se é perfeitamente compreensível que haja mudanças de entendimento de valores em algumas áreas delimitadas da ordem social e em nome de uma nova concepção de liberdades civis, como no caso do homossexualismo, da eutanásia e do aborto, isso não significa admitir uma generalização da tolerância para com delitos de outra natureza como corrupção pública e a invasão de propriedades, o que caracterizaria o perigo da anomia. Não podemos confundir evolução de costumes, revolução mesmo no domínio dos valores da cultura, com motins, revoltas e insurreições desprovidos de sentido construtivo, mas apenas destrutivo. Neste sentido, mais uma vez se impõe o velho princípio de John Stuart-Mill: no harm to others.
E a desordem promovida pelo desfuncional e ineficiente estado brasileiro não promove a liberdade, senão a licenciosidade ou permissividade. Pois a liberdade não se limita com a justiça, senão é a sua própria garantia de possibilidade.
Para o entendimento do estado brasileiro é fundamental a leitura e reflexão sobre o segundo ensaio do livro de Dahrendorf: buscando Rousseau e encontrando Hobbes. No sentido em que a construção de uma ordem social pacífica e próspera depende de se partir da concepção realista do homem como lobo do homem (Hobbes) e não idealizada, como no bom selvagem de Rousseau. Pois os conflitos são parte da natureza humana, quer sejam motivados pela competição (ou medo da morte), quer pela desconfiança ou pela glória e vaidade intrínseca ao poder, como nos ensina Dahrendorf. É o contrato social que nos garante a coexistência pacífica meio as naturais contendas.
Por fim, duas citações e um reparo: “O processo de extensão dos direitos de cidadania em resposta às lutas de classe pelos direitos sociais nos últimos dois séculos pode ser visto como uma alteração fundamental no contrato social moderno.”
“O domínio da lei, no sentido de um conjunto de direitos formais para todos e o devido processo para defendê-los, é uma das grandes aquisições da história humana, uma aquisição liberal, não no sentido partidário, mas no sentido do progresso da liberdade humana.”
Todavia, se a leitura de Ralf Dahrendorf é essencial para a compreensão da situação política brasileira, impressiona seu silêncio com relação à mídia, sobretudo pelo seu viés romântico e sua influência sobre os mais jovens, como grande causa dos perigos da anomia nas sociedades ocidentais. E também como grande possibilidade de resgate de uma urgente cultura de cidadania no Brasil.

Maiores informações veja http://www.institutoliberal.org.br/publicacoes/
Rio, 13/03/07