06 abril 2009

Óidipous, filho de Laios

A história de Édipo Rei pelo avesso, De Antonio Quinet A verdade às vezes cega porque ofusca. E a chamada crítica teatral da grande mídia não tem aberto bem os olhos para uma dramaturgia que tenta superar o espaço cênico com múltiplas linguagens artísticas e com um texto, por exemplo, transcriado da clássica peça de Sófocles, como afirma o próprio autor Antonio Quinet. Como o próprio oráculo Tirésias, cego e, por isso mesmo, portador da verdade, da decifração dos enigmas. Pois neste caso é vantagem combinar o olhar do psicanalista com as mãos do diretor de cena teatral, como é o caso de Quinet. Por que ele sabe que Tirésias é cego para melhor “ver” a verdade na sua dimensão essencialmente ideal, como de sorte, todo o pensamento idealista-platônico daquela época. No seu louco afã de se limitar ao texto antigo, muita vez a crítica é míope, conservadora e intolerante para fruir a abertura e polissemia de verdadeira obra-de-arte. Como diz o autor na apresentação de seu trabalho, se trata de revirar o mito de Óidipous pelo avesso pois o texto de Sófocles e suas interpretações e encenações se limitam ao parricídio e o incesto quando, pelo avesso, está na verdade o filicídio de Laios contra Óidipous. Como na diferença que marca o De’s misericordioso de Israel que segura a mão de Jacó no momento em que este tenta sacrificar Isac e o Deus cristão que não ouve a súplica de Cristo na cruz quando lhe pergunta por que o abandonou. A maldição para tamanha transgressão será a peste de todo um povo no vaticínio de Pélops a Laios que teria raptado seu filho Crísipo: - terás um filho que te matará. E Óidipous herdará a mesma maldição da esfinge: - farás sexo com tua mãe e matarás teu pai! Ou seja, o parricídio de Óidipous está justificado pela tentativa de filicídio de Laios. E a maldição se perpetua. Mas Óidipous sobrevive ao filicídio de Laios, ao seu triplo equívoco de nascer amaldiçoado, ao de matar o pai e se casar com a mãe, gerado e gerador, saindo e entrando pelos mesmos quadris de Iokaste. O preço é não querer saber e se cegar, pela inevitável herança da maldição lançada contra o pai. Mas para além da ação dramática e dos conceitos psicanalíticos, o que chama a atenção e está na origem da polêmica crítica, é a transgressão do autor ao próprio universo sagrado do teatro grego. Quinet se apropria dos textos de Sófocles e Ésquilo para recriar, ou transcriar, o drama de uma pulsão de morte, da relação de Óidipous com Laios. E mais transgride quando aproxima o universo da cultura grega com o universo da cultura Xingu. E aí a minha grata surpresa: o que pensava ser apenas uma citação de nossas origens, é mais do que isso, uma aproximação antropofágica de ambas as mitologias, onde a indígena digere a européia para a produção de uma terceira cultura. Como definiu o próprio autor: - em ambas a lei da hospitalidade é sagrada, ambos os povos da Grécia e do Xingu são panteístas e andam nus, para além do significado de Óidipous, como pés inchados, tal qual o Abaporu de Tarsila do Amaral, que marca a passagem de nosso modernismo e foi a própria inspiração de Oswald de Andrade para o manifesto antropofágico, onde deciframos nossas origens tanto gregas quanto indígenas. Resta saber se a crítica enxergou a essência do trabalho de Quinet: a necessária afirmação e transgressão de nosso olhar nacional e singular diante da farta mesa da mitologia grega. Ou será que não podemos mesmo participar do banquete mitológico universal? Confira você mesmo! http://oidipousfilhodelaios.blogspot.com/http://www.youtube.com/watch?v=M1PXrzr95OU