11 março 2014

Luto nacional

Acaba de ser dado o primeiro passo para as eleições de 2014, com a promessa de assistirmos a um dos pleitos mais baixos dentro de nossa longa tradição política de franca obscenidade. E ele não veio do Legislativo, como sempre se espera. Muito menos do Executivo, como sempre se teme.
Tampouco tem adiantado a luta das organizações dedicadas ao controle social de governos, mandatos, orçamentos e políticas públicas - capitaneada pelo mesmo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, o MCCE, criador da Lei da Ficha Limpa - que, ancoradas num manifesto de mais de 70.000 assinaturas, pediam ao TSE a exigência de certidões cíveis aos candidatos ao pleito. Não deu. Continua valendo apenas a obrigação de apresentar certidões criminais para se conseguir o registro de uma candidatura, o que mantém limitado o alcance da Lei da Ficha Limpa. Ou seja: nossa oligarquia de cínicos e viciados políticos profissionais continua a sabotar a cidadania sujando o sonho da ficha limpa.
Justamente o Judiciário, que deveria demarcar seu espaço de poder e fazer história na República decidiu ser a estrela deste início de corrida eleitoral, antes mesmo do prazo oficial da propaganda. E fez vencer o jeitinho, a dubiez, a frouxidão, em que nada pode ser conclusivo e claro nesta triste cultura dos trópicos! Para além da olímpica indiferença dos donos do poder para com a límpida expressão da juventude contra os estádios olímpicos, mesmo o maior julgamento político da história era na verdade para inglês ver. Nada pode ser conclusivo nesta cultura de flacidez moral em que temos sempre a gana em corromper valores, distorcer a realidade, desfazer os feitos, relativizar consequências, driblar leis e inimputar responsabilidades.

Se o desentendimento do que realmente faz a diferença para um país não vem do poder público, também é falha a compreensão do setor privado. Basta uma rápida olhada no índice de investimento social privado regularmente captado pela rede Gife de institutos e fundações empresariais privados. Se nos idos de 2010 tínhamos a cultura em segundo lugar como destino maior de aporte de investimentos, em 2013 perdemos para segmentos como formação de jovens e mesmo desenvolvimento comunitário. Itens de uma pauta falsamente socializante e questionável do ponto de vista de uma mudança transformadora e estratégica capitaneada por verdadeiras elites de agentes de cidadania. A campeã? A eterna educação, vista mais como “empurradora de informações” que formadora de valores para uma cultura de plena cidadania, ética pública e responsabilidade política. Sobretudo a educação pública fundamental que nos países mais desenvolvidos é de tão boa qualidade que simplesmente inviabiliza a educação privada. 
 
Três vivas, pois, a esta civilização rachada entre impunes e penitentes! Onde se faz pouco da justiça dos homens, e o povo inculto e incauto pouco se lixa pros desmandos dos poderosos, enquanto troca votos por uma bolsa qualquer.
Quando estávamos a pensar que daríamos um passo à frente na construção das instituições, como disse o ministro da mais alta corte, acabamos na verdade dando dois passos atrás! Nosso talento pela torção barroca é atávico! O jogo nunca pode ser à vera! Devemos permanecer crescendo de banda, de pé no preâmbulo, na prosa do prólogo, na condição do precário, na espera da providência, na vocação pelo fantástico, no gosto pela paródia! Temos um prazer quase erótico em violar uma lei. Transgredir quaisquer regras de convivência! Pois é a gana pela violação legal que explica a violência social! O judiciário não julga, mas desjulga a coisa julgada. O executivo não executa mandados nem orçamentos, mas faz corpo-mole. O legislativo julga que tudo pode legislar com leis em excesso e que não colam. Construímos prédios no lugar de instituições! Das nuvens pesadas dos trópicos se precipitam os factóides do dia, o show da notícia e as cidades cenotécnicas como Brasília, a ilha da fantasia ou o Projac do abuso do poder! Não nos levamos realmente a sério! Adoramos a adrenalina da tentação autoritária e sambamos no caixão da ordem democrática, na beira do abismo da paz social. Dois milhões de jovens foram às ruas, nos limitamos a repudiar e reportar apenas os vândalos baderneiros e não debatemos seriamente sequer uma política pública demandada nos cartazes de cartolina. Nada levamos a sério! Pois, de guerra, só a de confetes! De impasses, só mesmo as bolas divididas, a feiura da falta de ginga de corpo, a vida sem rebolado. A gente estancou de repente ou foi o mundo então que cresceu? A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar. Mas eis que chega a roda viva e carrega o destino pra lá, me lembro dos versos de Chico de minha juventude! Insistimos em seguir trôpegos e sem projeto de nação! Tergiversamos com a antropologia de botequim botando a culpa no passado histórico, na colonização lusitana, sem aprumar o rumo do presente para um futuro próximo. Num cenário deserto de líderes e estadistas, sobram arrivistas, plutocratas e demagogos oportunistas de ocasião! Insistimos na mentira de que estamos construindo uma democracia de massas sem elites que as liderem! Cobrado de meu dever cívico, tiro o meu da reta, passo a bola, saio de banda, pois se tudo é cambalacho e maracutaia, jogo pro povo na geral as mazelas nacionais e me isento de cobranças e deveres individuais!
Quando pensávamos que quadrilha era quadrilha de bandidos, de repente se revela quadrilha de São João, associação para delitos esporádicos! Quando pensávamos estar botando ordem na casa, fazendo valer o estatuto da gafieira, vem a roda viva e joga o destino pra lá! Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu.
* Jorge Maranhão é diretor do Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão. jorge@avozdocidadao.com.br