08 abril 2014

Petrobras: a predação do mamute

Bela contradição esquerdista ou irrefutável argumento liberal. A maior empresa estatal latino-americana, nossa idolatrada Petrobras, no ano em que completa a melhor idade, passa a valer a metade do que valia há dez anos atrás! Tal qual a patética conquista do recém-chegado sexagenário que passa a pagar meia entrada no cinema! Ria para não chorar! Pois todos somos donos de meia ação da Petrossauro, nem que seja pelo FGTS.
E a presidenta militanta do PT, que sempre defendeu a intocabilidade do mamute estatal, passa a ser a grande responsável por sua predação! Apenas com a iminente ameaça de a CPI abrir as vísceras fedidas do monstro, o mercado exulta e sinaliza uma pequena alta de seu valor! Quando o PT vai entender que não é a expressão do Estado brasileiro e a Petrobras, para além de estatal, é na verdade uma empresa pública, de propriedade de todos os brasileiros?

Mas os políticos e agentes públicos envolvidos nos escândalos se voltam raivosos contra a mídia, numa tentativa de desqualificar o trabalho de investigação jornalística, arma maior da cidadania. De agora até as eleições de outubro querem sofismar que tudo não passa de intriga política, de sórdido conluio da oposição com a mídia golpista. E se esquecem de que, no Brasil de hoje, são as próprias instituições de estado dedicadas ao law enforcement, das promotorias às polícias de investigação, e das instituições de controle interno e externo, que estão tentando funcionar.

Ano passado, o recado da sociedade civil nas manifestações de rua foi mais do que claro. Para além da redução das tarifas de transporte, da melhoria da saúde, educação e da segurança pública, ficou evidente que não suportamos mais o baixo nível do jogo político, o toma-lá-dá-cá da alegada governabilidade, o aparelhamento das instituições, o loteamento dos cargos comissionados, a corrupção da cena política e o cinismo de caras e bocas de quem nunca sabe de nada. Simplesmente não se admite mais que uma empresa pública insista em se conduzir acima das leis, como se intocável fosse, um verdadeiro estado dentro do estado. Uma gigante engolidora de um orçamento maior do que o dos ministérios sociais, mais poderosa do que a sua própria agência reguladora. Pois isso é descabido, um atentado ao bom senso e à necessária racionalidade no trato da coisa pública. Na democracia, nada pode estar acima das leis, quanto mais à margem da moralidade pública. O que é público é de todos, e não do grupo político do momento. Deve permanecer disponível ao escrutínio da sociedade, de suas instituições e de seus cidadãos. Dizer apenas que a compra fraudulenta de uma refinaria estrangeira será investigada por um comitê interno de sindicância é fazer pouco da inteligência alheia e pura empulhação! O controle social mais efetivo é sempre externo. O caso da Petrobras é atípico para qualquer democracia que se pretenda evoluída. Sobre o mito populista que se criou desde os anos 50 de que o “petróleo é nosso”, quem disse que para ser nosso de fato ele precisa ser extraído, transportado, refinado e distribuído por uma constelação de empresas estatais, chamadas sintomáticamente de “sistema”?

O momento não é de propaganda, mas o de se discutir esse mito que ainda resiste passados 60 anos, e faz parte de uma ideologia anacrônica de nacionalismo xenófobo, desenvolvimentismo industrial voluntarista e falsa autossuficiência. Se “o petróleo é nosso” mesmo, é da sociedade e não do Estado. Movida pelo seu próprio gigantismo, a petroleira estatal atua em todos os segmentos do setor, da pesquisa à distribuição de combustíveis, passando por petroquímica, frotas de navios petroleiros, biocombustíveis, postos de gasolina e sabe-se lá o que mais. Sem falar nos apoios ditos de “responsabilidade social” por todo o país, de grupos musicais até campeonatos de futebol. Vide o “patrocínio” recente para uma entidade ligada ao MST para realizar um congresso que acabou em pancadaria na Praça dos Três Poderes. Um gigantismo que se torna o terreno mais fértil para o descontrole, a má gestão e a corrupção. Este é o consenso que começa a se formar. Na verdade, se um pouco desse mito de estatal onipotente já foi quebrado em 1997, com a perda do monopólio da exploração e do refino, que tal quebrarmos também o poder político de um gigante que reluta até mesmo em abrir à sociedade as planilhas de custos da gasolina? Já pensaram quantas escolas, hospitais, delegacias, agências de previdência, rodovias, adutoras, e tudo o mais não poderiam estar à disposição da sociedade com o dinheiro público economizado? Se acham que não há condições políticas de privatizar todo o sistema, privatize-se ao menos os excessos, de frota de petroleiros a postos de gasolina, que nada disso pode ser considerado de “interesse estratégico”.

É urgente arejar as mentes anestesiadas pela lenga-lenga ideológica dos anos 50. O desenvolvimento das nações de hoje não se limita mais à produção de bens tangíveis e, sim, pelo intangível saber da sociedade do conhecimento, principalmente no que se refere aos índices de desenvolvimento da educação e da pesquisa. Esta deve ser a verdadeira pauta para discussão, estabelecida segundo os reclamos dos cidadãos e não por caprichos pouco transparentes deste ou daquele governo, deste ou daquele grupo político, de viés desta ou daquela mixórdia doutrinária. E aí, sim, não vai ficar pedra sobre pedra.

* Jorge Maranhão é diretor do Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão.
Email jorge@avozdocidadao.com.br