Mário Guerreiro - Edipucrs, Porto Alegre, 2002
Em tempos demagógicos de licenciosidade e igualitarismo como os que o Brasil atravessa é urgente aprofundar os valores fundamentais da democracia que são a liberdade e a igualdade perante a lei. Pois muito se confunde em nosso país a possibilidade de convivência das liberdades civis e, sobretudo, políticas com o império da lei e da justiça. Quando a justiça e o direito não são a negação das liberdades, mas, ao contrário, a sua própria condição de possibilidade.
Este alentado ensaio do pensador e filósofo brasileiro, Mário Guerreiro, se constitui no painel mais completo sobre tão fundamental questão da filosofia dos valores, da filosofia política e da cultura escrito em nosso idioma.
Logo na introdução, Mário Guerreiro revela sua opção doutrinária de radical defensor das garantias individuais da liberdade humana. E cobra de um cidadão autônomo a responsabilidade civil e política pela sua livre escolha de sua conduta social. Assim como denuncia o Espírito Absoluto de Hegel, o determinismo do processo histórico de Marx e o inconsciente de Freud como os mais consagrados subterfúgios para a irresponsabilidade política do homem moderno. Quando determinismos históricos consagrados pela ótica marxista, como a da eclosão das revoluções socialistas nos países de capitalismo mais avançado como a Inglaterra, acabaram por ser desmentidos pela livre escolha da ação humana.
Mário Guerreiro releva a partir daí o conceito de liberdade de John Stuart Mill, como ausência de coerções injustificáveis. O que concilia a liberdade individual com a ordem social e o império da lei. Nenhum dano ao outro (no harm to others) passa a ser o conceito-chave da liberdade individual garantida pela isonomia da igualdade de todos perante a lei. Com Hume (1751) o autor lembra da desigualdade intrínseca da natureza humana e alerta de que toda tentativa de produção da igualdade social, que não a da isonomia, acabaria por destruir a liberdade sem nos levar à igualdade. Para tanto, há que se garantir a necessária indeterminação do processo histórico para o exercício pleno da liberdade de escolha individual e sua implícita responsabilidade civil e política. Pois a liberdade individual que autodetermina nossa conduta social e a própria iniciativa do empreendimento é uma parte apenas da liberdade de auto-governo e da participação política. E ajunta o autor: “seria demasiadamente cômodo reivindicar direitos sem assumir os correspondentes deveres, assim como seria demasiadamente cômodo aceitar o bônus da liberdade e rejeitar o ônus da responsabilidade”. Como repetimos em nossos programas de cultura de cidadania: não temos razão em reclamar de governos se nos omitimos da participação política, sobretudo os socialmente mais responsáveis e privilegiados. E vale mais uma vez a citação do autor: “se não há liberdade de escolha, não pode haver responsabilidade por qualquer escolha feita. Se não há responsabilidade, como estabelecer quaisquer restrições à conduta humana? Uma suposta ética sem restrições é algo semelhante a uma competição de natação sem água, assim como um sistema legal sem punições é algo semelhante a um jogo de tênis sem bola.” “Não há liberdade sem lei”, diz Thomas Hobes.
De tais princípios, o autor vai distinguir as diversas concepções do Estado. Se para marxistas, o Estado é um bem necessário e para anarquistas um mal desnecessário, para os liberais, o Estado é um mal necessário.
No segundo capítulo, Mário Guerreiro revela os fundamentos de sua reflexão com uma exposição da biografia filosófica do grande pensador e economista da Escola Austríaca Friedrich Hayek. No terceiro expõe as razões de sua opção pelo velho liberalismo que, como brinca o próprio Hayek, passou a ser jovem na sua velhice. No quarto capítulo, o autor expõe a correlação necessária entre uma ética mínima e um Estado mínimo através de uma interessante abordagem do segundo parágrafo da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, de Thomas Jefferson quando: “sustentamos que estas verdades são auto-evidentes, que todos os homens foram criados iguais; que eles são dotados por seu criador de certos direitos inalienáveis; que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade. E que para assegurar estes direitos, foram instituídos governos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados”.
A questão que nos parece essencial é que o valor e o direito inalienável da justiça, garantidos pelos justos poderes dos governos contratados soberanamente pelos cidadãos governados, ficou apenas implícito no final do parágrafo, quando deveria se apresentar logo no início ao lado da vida e da liberdade. Neste aspecto, a própria hierarquia dos direitos naturais estabelecida por Locke entre a vida, a liberdade e a propriedade teria de ser considerada pela necessária anterioridade do direito à justiça que garante a priori todos os demais direitos como, aliás, todos os demais contratos sociais. Pois, um Estado sem lei, como tem sido na maior parte do tempo a própria história de nossa república, como diria Nietzsche, acaba sendo “o monstro frio dentre os mais frios dos monstros”. Quando a igualdade de que se referia Thomas Jefferson, não é a igualdade biológica, matemática ou econômica, de status enfim na sociedade, que não passa de uma utopia freqüentemente nutrida pelo ressentimento e pela perversidade dos desiguais, mas simplesmente a igualdade perante a lei. Lei que, se descumprida, tem como sanção a própria cassação da liberdade, quando não a própria supressão da vida enquanto pena capital. O que nos parece aqui um desvirtuamento da tradição dos códigos penais da antigüidade, a começar pelo próprio código mosaico que nos lega maior importância ao respeito à honra, pelo princípio da justiça e pelo respeito aos contratos, diante da própria vida, da liberdade e da propriedade. O Estado mínimo, portanto, pressupõe a aplicação de princípios de uma ética mínima de caráter universal e negativo e emergiu de um contrato social em que os governados concederam poder limitado aos governantes para gozar dos benefícios de um Estado de direito e não de um Estado provedor, assistencial, empreendedor, onisciente e onipotente.
Nos capítulos quinto e sexto, Mário Guerreiro, faz uma brilhante defesa do pensamento de Hayek através de uma crítica exaustiva aos autores R. Norman e H. Wainwright nos explicando por que a busca de qualquer igualdade, que não a igualdade perante a lei, sempre acaba por destruir a liberdade sem nos levar ao bem maior da Justiça. O que nos permite definir a cidadania como consciência de igualdade perante a lei, nos libertando das demagogias das pseudo-garantias de direitos sociais, como trabalho, previdência, saúde, educação etc, sem as necessárias contrapartidas dos deveres da responsabilidade política.
Em tempos demagógicos de licenciosidade e igualitarismo como os que o Brasil atravessa é urgente aprofundar os valores fundamentais da democracia que são a liberdade e a igualdade perante a lei. Pois muito se confunde em nosso país a possibilidade de convivência das liberdades civis e, sobretudo, políticas com o império da lei e da justiça. Quando a justiça e o direito não são a negação das liberdades, mas, ao contrário, a sua própria condição de possibilidade.
Este alentado ensaio do pensador e filósofo brasileiro, Mário Guerreiro, se constitui no painel mais completo sobre tão fundamental questão da filosofia dos valores, da filosofia política e da cultura escrito em nosso idioma.
Logo na introdução, Mário Guerreiro revela sua opção doutrinária de radical defensor das garantias individuais da liberdade humana. E cobra de um cidadão autônomo a responsabilidade civil e política pela sua livre escolha de sua conduta social. Assim como denuncia o Espírito Absoluto de Hegel, o determinismo do processo histórico de Marx e o inconsciente de Freud como os mais consagrados subterfúgios para a irresponsabilidade política do homem moderno. Quando determinismos históricos consagrados pela ótica marxista, como a da eclosão das revoluções socialistas nos países de capitalismo mais avançado como a Inglaterra, acabaram por ser desmentidos pela livre escolha da ação humana.
Mário Guerreiro releva a partir daí o conceito de liberdade de John Stuart Mill, como ausência de coerções injustificáveis. O que concilia a liberdade individual com a ordem social e o império da lei. Nenhum dano ao outro (no harm to others) passa a ser o conceito-chave da liberdade individual garantida pela isonomia da igualdade de todos perante a lei. Com Hume (1751) o autor lembra da desigualdade intrínseca da natureza humana e alerta de que toda tentativa de produção da igualdade social, que não a da isonomia, acabaria por destruir a liberdade sem nos levar à igualdade. Para tanto, há que se garantir a necessária indeterminação do processo histórico para o exercício pleno da liberdade de escolha individual e sua implícita responsabilidade civil e política. Pois a liberdade individual que autodetermina nossa conduta social e a própria iniciativa do empreendimento é uma parte apenas da liberdade de auto-governo e da participação política. E ajunta o autor: “seria demasiadamente cômodo reivindicar direitos sem assumir os correspondentes deveres, assim como seria demasiadamente cômodo aceitar o bônus da liberdade e rejeitar o ônus da responsabilidade”. Como repetimos em nossos programas de cultura de cidadania: não temos razão em reclamar de governos se nos omitimos da participação política, sobretudo os socialmente mais responsáveis e privilegiados. E vale mais uma vez a citação do autor: “se não há liberdade de escolha, não pode haver responsabilidade por qualquer escolha feita. Se não há responsabilidade, como estabelecer quaisquer restrições à conduta humana? Uma suposta ética sem restrições é algo semelhante a uma competição de natação sem água, assim como um sistema legal sem punições é algo semelhante a um jogo de tênis sem bola.” “Não há liberdade sem lei”, diz Thomas Hobes.
De tais princípios, o autor vai distinguir as diversas concepções do Estado. Se para marxistas, o Estado é um bem necessário e para anarquistas um mal desnecessário, para os liberais, o Estado é um mal necessário.
No segundo capítulo, Mário Guerreiro revela os fundamentos de sua reflexão com uma exposição da biografia filosófica do grande pensador e economista da Escola Austríaca Friedrich Hayek. No terceiro expõe as razões de sua opção pelo velho liberalismo que, como brinca o próprio Hayek, passou a ser jovem na sua velhice. No quarto capítulo, o autor expõe a correlação necessária entre uma ética mínima e um Estado mínimo através de uma interessante abordagem do segundo parágrafo da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, de Thomas Jefferson quando: “sustentamos que estas verdades são auto-evidentes, que todos os homens foram criados iguais; que eles são dotados por seu criador de certos direitos inalienáveis; que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade. E que para assegurar estes direitos, foram instituídos governos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados”.
A questão que nos parece essencial é que o valor e o direito inalienável da justiça, garantidos pelos justos poderes dos governos contratados soberanamente pelos cidadãos governados, ficou apenas implícito no final do parágrafo, quando deveria se apresentar logo no início ao lado da vida e da liberdade. Neste aspecto, a própria hierarquia dos direitos naturais estabelecida por Locke entre a vida, a liberdade e a propriedade teria de ser considerada pela necessária anterioridade do direito à justiça que garante a priori todos os demais direitos como, aliás, todos os demais contratos sociais. Pois, um Estado sem lei, como tem sido na maior parte do tempo a própria história de nossa república, como diria Nietzsche, acaba sendo “o monstro frio dentre os mais frios dos monstros”. Quando a igualdade de que se referia Thomas Jefferson, não é a igualdade biológica, matemática ou econômica, de status enfim na sociedade, que não passa de uma utopia freqüentemente nutrida pelo ressentimento e pela perversidade dos desiguais, mas simplesmente a igualdade perante a lei. Lei que, se descumprida, tem como sanção a própria cassação da liberdade, quando não a própria supressão da vida enquanto pena capital. O que nos parece aqui um desvirtuamento da tradição dos códigos penais da antigüidade, a começar pelo próprio código mosaico que nos lega maior importância ao respeito à honra, pelo princípio da justiça e pelo respeito aos contratos, diante da própria vida, da liberdade e da propriedade. O Estado mínimo, portanto, pressupõe a aplicação de princípios de uma ética mínima de caráter universal e negativo e emergiu de um contrato social em que os governados concederam poder limitado aos governantes para gozar dos benefícios de um Estado de direito e não de um Estado provedor, assistencial, empreendedor, onisciente e onipotente.
Nos capítulos quinto e sexto, Mário Guerreiro, faz uma brilhante defesa do pensamento de Hayek através de uma crítica exaustiva aos autores R. Norman e H. Wainwright nos explicando por que a busca de qualquer igualdade, que não a igualdade perante a lei, sempre acaba por destruir a liberdade sem nos levar ao bem maior da Justiça. O que nos permite definir a cidadania como consciência de igualdade perante a lei, nos libertando das demagogias das pseudo-garantias de direitos sociais, como trabalho, previdência, saúde, educação etc, sem as necessárias contrapartidas dos deveres da responsabilidade política.