Ensaio sobre a tristeza brasileira
de Paulo Prado
Publicado em dezembro de 1928, Retrato do Brasil e um pequeno livro que vai marcar definitivamente a reflexão sobre a identidade nacional e o caráter de nosso povo. Logo na primeira frase, Paulo Prado evoca seu contemporâneo Monteiro Lobato no conto Urupês (1918): “Numa terra radiosa vive um povo triste”. E na década em que acontece a Semana de Arte Moderna, financiada em parte por ele, rico cafeicultor que é, Paulo Prado precede as duas mais importantes obras da antropologia brasileira, de Gilberto Freyre e de Sergio Buarque de Hollanda, de 1933 e 1936 respectivamente. A intenção de Paulo Prado (1869-1943) era a de prospectar as eventuais razões históricas da crise nacional e denunciar a estagnação em que vivia mergulhado o país, prenunciando o fim violento da Primeira República, diagnóstico que seria confirmado com a revolução de outubro de 1930. Escrito numa prosa sóbria, Retrato do Brasil expõe cruamente as mazelas dos brasileiros e nos leva a refletir sobre os defeitos de formação de nossas elites e a tendência para a retórica na política, que adia o enfrentamento da questão social.
Composto de quatro curtos capítulos e um post-scriptum, Retrato do Brasil sintetiza o caráter nacional em dois pecados – luxúria e cobiça – e dois sentimentos – tristeza e romantismo. A cobiça do ouro e do enriquecimento fácil dos primeiros colonizadores que não chegam a merecer este nome diante do espírito animal da depredação da terra. A luxúria implícita na súmula papal “não existe pecado abaixo da linha do Equador” que também não deixa de caracterizar como depravada a relação com o povo gentio. O que tornará definitiva a interpretação comparativa entre as duas grandes colonizações americanas pelas diferentes naturezas culturais dos povos saxões e ibero-portugueses. Paulo Prado é o primeiro brasilianista a enaltecer as virtudes de nossa mestiçagem e a constatar as diferentes relações com a escravatura entre as colonizações inglesa e ibero-portuguesa. É importante lembrar que Eduardo Prado, tio de Paulo Prado, foi quem o levou a conhecer a Europa e os Estados Unidos, tendo sido um grande crítico da cultura americana. Mas podemos resumir as grandes diferenças culturais em três dimensões de natureza moral-religiosa, política e psico-social. Na dimensão moral-religiosa o que marca as diferentes visões de mundo, decorre das tradições católicas e anglicanas, onde os portugueses, motivados pelo saque, não se faziam acompanhar de suas famílias, enquanto os primeiros 120 colonos ingleses do Mayflower eram compostos de famílias de colonos, onde o moralismo era atávico e não de fachada. Na dimensão política a diferença se dá a partir de uma casa real como a inglesa que era chefe da igreja, enquanto a portuguesa era vassala do papa. Se a inglesa colocava o interesse dos cidadãos acima dos clérigos, a portuguesa se submetia aos tribunais da Santa Inquisição. A dimensão de natureza psico-social se dá pela própria motivação da colonização, quando as famílias de lavradores de Southampton deixava seu país de origem na perspectiva de criação de uma Nova Inglaterra, longe e independente da antiga nobreza, tradição que remontava ao século13, com a edição da Carta Magna. Tratava-se pois da perspectiva de criação de um paraíso. Enquanto os donatários portugueses, egressos de uma classe de comerciantes, estavam a serviço do rei na exploração dos fins da terra.
Por fim a marca da tristeza ou da melancolia, que pode ser entendida como o sentimento maior do romantismo, decorre do próprio fastio da luxúria e da cobiça, uma vez a permanência da falta de propósito político, da crença numa nova perspectiva de vida e da construção de uma sociedade melhor. Sobretudo num cenário de exuberância natural em que se evidencia ainda mais o fracasso do projeto cultural.
Mas Paulo Prado nos reconforta no final de seu livro nos alertando que a confiança no futuro não pode ser pior do que o seu conhecimento de nosso passado.
Veja http://www.companhiadasletras.com.br/
http://www.ichs.ufop.br/memorial/trab/h9_4.doc
de Paulo Prado
Publicado em dezembro de 1928, Retrato do Brasil e um pequeno livro que vai marcar definitivamente a reflexão sobre a identidade nacional e o caráter de nosso povo. Logo na primeira frase, Paulo Prado evoca seu contemporâneo Monteiro Lobato no conto Urupês (1918): “Numa terra radiosa vive um povo triste”. E na década em que acontece a Semana de Arte Moderna, financiada em parte por ele, rico cafeicultor que é, Paulo Prado precede as duas mais importantes obras da antropologia brasileira, de Gilberto Freyre e de Sergio Buarque de Hollanda, de 1933 e 1936 respectivamente. A intenção de Paulo Prado (1869-1943) era a de prospectar as eventuais razões históricas da crise nacional e denunciar a estagnação em que vivia mergulhado o país, prenunciando o fim violento da Primeira República, diagnóstico que seria confirmado com a revolução de outubro de 1930. Escrito numa prosa sóbria, Retrato do Brasil expõe cruamente as mazelas dos brasileiros e nos leva a refletir sobre os defeitos de formação de nossas elites e a tendência para a retórica na política, que adia o enfrentamento da questão social.
Composto de quatro curtos capítulos e um post-scriptum, Retrato do Brasil sintetiza o caráter nacional em dois pecados – luxúria e cobiça – e dois sentimentos – tristeza e romantismo. A cobiça do ouro e do enriquecimento fácil dos primeiros colonizadores que não chegam a merecer este nome diante do espírito animal da depredação da terra. A luxúria implícita na súmula papal “não existe pecado abaixo da linha do Equador” que também não deixa de caracterizar como depravada a relação com o povo gentio. O que tornará definitiva a interpretação comparativa entre as duas grandes colonizações americanas pelas diferentes naturezas culturais dos povos saxões e ibero-portugueses. Paulo Prado é o primeiro brasilianista a enaltecer as virtudes de nossa mestiçagem e a constatar as diferentes relações com a escravatura entre as colonizações inglesa e ibero-portuguesa. É importante lembrar que Eduardo Prado, tio de Paulo Prado, foi quem o levou a conhecer a Europa e os Estados Unidos, tendo sido um grande crítico da cultura americana. Mas podemos resumir as grandes diferenças culturais em três dimensões de natureza moral-religiosa, política e psico-social. Na dimensão moral-religiosa o que marca as diferentes visões de mundo, decorre das tradições católicas e anglicanas, onde os portugueses, motivados pelo saque, não se faziam acompanhar de suas famílias, enquanto os primeiros 120 colonos ingleses do Mayflower eram compostos de famílias de colonos, onde o moralismo era atávico e não de fachada. Na dimensão política a diferença se dá a partir de uma casa real como a inglesa que era chefe da igreja, enquanto a portuguesa era vassala do papa. Se a inglesa colocava o interesse dos cidadãos acima dos clérigos, a portuguesa se submetia aos tribunais da Santa Inquisição. A dimensão de natureza psico-social se dá pela própria motivação da colonização, quando as famílias de lavradores de Southampton deixava seu país de origem na perspectiva de criação de uma Nova Inglaterra, longe e independente da antiga nobreza, tradição que remontava ao século13, com a edição da Carta Magna. Tratava-se pois da perspectiva de criação de um paraíso. Enquanto os donatários portugueses, egressos de uma classe de comerciantes, estavam a serviço do rei na exploração dos fins da terra.
Por fim a marca da tristeza ou da melancolia, que pode ser entendida como o sentimento maior do romantismo, decorre do próprio fastio da luxúria e da cobiça, uma vez a permanência da falta de propósito político, da crença numa nova perspectiva de vida e da construção de uma sociedade melhor. Sobretudo num cenário de exuberância natural em que se evidencia ainda mais o fracasso do projeto cultural.
Mas Paulo Prado nos reconforta no final de seu livro nos alertando que a confiança no futuro não pode ser pior do que o seu conhecimento de nosso passado.
Veja http://www.companhiadasletras.com.br/
http://www.ichs.ufop.br/memorial/trab/h9_4.doc