12 abril 2010

História da Inteligência Brasileira


Editora Cultrix, São Paulo, 1977
Morreu no início do ano em Curitiba o crítico literário Wilson Martins, que se dizia "o último crítico literário em atividade". Wilson Martins nasceu em São Paulo em 1921. Formou-se em Direito, mas resolveu especializar-se em Letras, atingindo o título de doutor. Tornou-se professor de literatura francesa na UFPR e deu aulas de literatura brasileira em universidades dos Estados Unidos. Em terras americanas, sua passagem mais marcante foi pela Universidade de Nova York, que durou 26 anos e onde se tornou professor emérito, tendo se aposentado em 1992. Desta experiência pedagógica, aliás, é que surge a necessidade e oportunidade de escrever a História da Inteligência Brasileira. Distanciado das fontes físicas de sua pesquisa mas próximo do isolamento exigido de grupos e correntes literárias para uma construção imparcial da nossa história literária e intelectual.

Paralelamente à atividade acadêmica, durante anos mais de meio século, Martins publicou críticas em alguns dos mais importantes periódicos brasileiros, como o Jornal do Brasil, O Globo e a Gazeta do Povo. O crítico recebeu prêmios como o Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, por duas vezes, por volumes do livro História da Inteligência Brasileira, e o prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, em 2002, pelo conjunto de sua obra. Nos útimos anos de sua vida lamentava com ironia a possível extinção do mister da crítica pela falta de espaço que lhe dedicavam os editores dos modernos jornais impressos, cada vez mais cheio de imagens e infogramas, com textos em pílulas e de certa forma avessos ao estilo prolixo da critica. Wilson Martins escreveu a monumental “História da Inteligência Brasileira” quando o país estava imerso na ditadura militar de 1964. São sete volumes (cada um de 700 páginas), que nasceram do desejo do crítico de pensar e ligar tudo, absolutamente tudo, o que foi escrito, publicado e pensado no Brasil desde 1550 até 1960. Neste aspecto, trata-se de mais do que uma crítica literária, mas verdadeiramente uma critica da cultura brasileira. Segundo o jornalista Luiz Nassif, foi com essa obra que aprendeu mais sobre o Brasil do que quase todos os livros que já tinha lido antes. O fato de sermos “palco morto” em relação ao Renascimento que explodia na Europa, o que nos atravancou para o Humanismo, foi um desses achados que Wilson Martins nos ensinou. A natureza e raiz de um país autoritário (quem tem o mínimo de conhecimento sobre a nossa historia sabe disso) são explicadas didaticamente por Wilson nessa obra monumental. E como critico literário foi singular e brilhante quase que permanentemente. Quando completou 80 anos, a editora Top Books lançou um volume em sua homenagem, significativamente intitulado Mestre da Crítica. Nele, escrevem colegas ilustres como Affonso Romano de Sant’Anna, Moacyr Scliar, Edson Nery da Fonseca, Antonio Candido e outros, tendo por tema a carreira do crítico Wilson Martins ou assuntos literários em geral. Mas o melhor dos ensaios do livro é assinado pelo próprio homenageado. Com o título de O Crítico por Ele Mesmo, Martins faz um resumo de sua vida profissional.

Pontos altos da leitura e da interpretação do Brasil são enunciados logo no primeiro dos sete volumes publicados, até mesmo pela riqueza da documentação e das revelações sobre a história da inteligência brasileira no período colonial (de 1550 a 1794). Destaque-se a raiz de nossa tradição de solidariedade fincada na missão jesuítica a partir de 1549, que traz também a nossa conhecida limitação iluminista e política. Nossos primeiros autores, Manuel da Nóbrega, José de Anchieta e Antonio Vieira, discípulos diretos de Inácio de Loyola, fundador da ordem Companhia de Jesus, são dignos representantes da mais ortodoxa ordem da Contra-reforma católica. Afinal é no Concilio de Trento que se institui a censura do Index e a retomada da inquisição, censura que, como vemos, surge com a própria imprensa. Em 1711 surge a obra Cultura de opulência no Brasil,do jesuíta André João Antonil que alguns afirmam ser mesmo mais avançada nos conceitos sobre mercantilismo e nos conselhos sobre empreendedorismo do que a própria História das riquezas das nações, que o iluminista escocês Adam Smith só publicará em 1776. Já na metade do século XVII se faz publicar em Lisboa O Valeroso Lucideno e triunfo da liberdade, de frei Manoel Calado, sobre a epopéia e resistência portuguesa às invasões holandesas de 1624 a 1654. Outro ponto alto, que antecipa o experimento lúdico do concretismo do século XX é o poema visual do barroco baiano Anastacyo Ayres de Penhafiel, "Labirinto Cúbico”, de 1736. Época em que a Real Mesa Censória da metrópole proíbe a circulação do Ensaio sobre o entendimento humano, de John Locke, e em qualquer língua que fosse dentro do território e colônias portuguesas a partir de 1768. É de se notar que os autores do iluminismo escocês e inglês é que se tornam fonte inspiradora dos founding fathers norte-americanos e dos próprios inconfidentes mineiros. Outro marco é a epopéia Caramuru, poema épico do descobrimento da Bahia, do frei agostiniano José de Santa Rita Durão, publicado em 1781, primeira ocorrência do indígena brasileiro na literatura, mesmo que seguindo o modelo épico dos Lusíadas, de Luiz de Camões. Por fim, o mais interessante é a citação da biblioteca deixada pelos inconfidentes em 1797. A obra original de 1758, Des Droits et des Devoirs des Citoyens, do Abade Mably (1709 – 1785), foi traduzida tão somente como Direitos do Cidadão. O autor, muito lido na época pré-revolucionária, defensor da convocação dos Estados Gerais e da separação entre os poderes legislativo e executivo, refletindo as idéias de Montesquieu e de Rousseau, defende um governo representativo, mas que exclua do sufrágio os que dependem economicamente de outros. Parece que não evoluímos muito de lá pra cá...

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