29 dezembro 2010
Uma breve história do Brasil
Uma breve história do Brasil, Mary Del Priore e Renato Venancio
Editora Planeta, São Paulo, 2010
Os autores percorrem a história do Brasil desde quando ainda era a ilha de Vera Cruz até os dias atuais. Através de uma abordagem precisa e rica em detalhes, os historiadores interpretam os fatos da vida nacional de forma leve e acessível. Por meio de capítulos curtos e texto saboroso, narram quais eram os hábitos dos povos que fizeram do passado o nosso presente: o que comiam, como se vestiam, em que divindades acreditavam, o que temiam e o que amavam. A partir da descrição dessas curiosidades, abordam as estruturas política, econômica e social e sua evolução no tempo até os dias de hoje. Vejam por exemplo logo na introdução a descrição do Curupira, o espírito das florestas, um pequeno índio de cabelo vermelho que tinha os pés tornados para trás, deixando rastros em sentido contrário ao de sua marcha; dirigia manadas de porcos-do-mato e, segundo descrição de José de Anchieta, já em 1560, era para os índios que temiam as matas e seus perigos, verdadeiro demônio. Pois é nestes primeiros anos do século XV que se colonizam as capitanias, com a vinda dos capitães donatários e se decide pela tomada do espaço territorial dos indígenas, cessando assim a cumplicidade coletivista inaugural. Assim como se inicia a Inquisição em Portugal em 1536, nada mais simbólico para caracterizar este novo mundo do que a substituição da visão do paraíso inicial pela experiência infernal da ocupação. Se buscavam os chifres do demo em tudo, nada mais propício do que caracterizar o Curupira indígena como uma entidade que troca os sinais, inverte os sentidos, corrompe os valores, enfim, o que poderíamos ver como o próprio estigma da futura identidade nacional. Juntamente com os nobres capitães, muitos deles cristãos-novos, vinha toda sorte de degradados, foragidos da justiça, bígamos e feiticeiras, “os indesejáveis do reino”: - Ora assim me salve Deus, e me livre do Brasil!, esconjura um dos personagens de Gil Vicente no Auto da barca do Purgatório! Se o Brasil nasceu à sombra da cruz, e o estado era cristão, o mercado era de capitais judaicos financiando a produção e comércio do açúcar para as casas reais européias maravilhadas com a doçura da cana. Os valores são corrompidos, sobretudo na gestão pública, mas o lema dos jesuítas IHS – Iesus hominum Salvator nos salvaria pela caridade missionária, traço de solidariedade atávico de que não nos livraríamos até hoje. Passado o ensaio de iluminismo da Inconfidência, quando nosso herói Tiradentes foi escolhido para assumir uma pena capital como forma de amenizar as penas dos bacharéis, pintado inclusive como Cristo por Pedro Américo, as fronteiras imaginárias do Tratado de Tordesilhas na verdade se estenderam para oeste para mais que o dobro do que fora previsto em de 1494. Com a independência, D. Pedro I é sucessor de D. João VI e sucedido pelo então impúbere D. Pedro II. Linha de sucessão de uma casa real de menor importância na Europa, não apenas de pai para filho como convinha às monarquias, mas de titulares de valores, credos, costumes, políticas e algum apreço especial pela riqueza do estado português, até mesmo como o meio mais seguro de riqueza de seus próprios domínios. E assim como a família real, também os nobres portugueses vinham às novas terras “fazer o Brasil”, como na expressão da época. Não fosse assim, com a onda de alternância republicana européia e americana, o que garantiria, para além do manancial inesgotável de matérias-primas, a herança dos valores e da própria história de um povo senão a sucessão monárquica? Mas nosso último imperador, D. Pedro II, era um estadista acima de seu tempo, como conselheiro da casa dos Habsburgo e até mesmo da rainha Victoria, era um dos mais esclarecidos monarcas do mundo de então. Abolicionista, democrata, meritocrata e até mesmo parlamentarista, formulador e executor da estratégica política de imigração européia, jamais imaginou que esse princípio maior da sucessão monárquica e de sua função como poder moderador e garantidor de valores e da própria história, entre governantes e governados, última instância da justiça e comando máximo do exército, fosse quebrado por parte de uma oligarquia escravista e gananciosa em conluio com uma oficialidade ingênua e positivista, uma lamentável e vil traição através de uma quartelada republicana, em 1889. Começamos definitivamente a celebrar a máxima corrupção do valor da liberdade e da política: uma república de oligarcas escravistas envergonhados. Uma república como uma sucessão de quarteladas, onde o próprio lema positivista é corrompido e “simplificado”, na sua redução ao fim do progresso, sobre a base da ordem, mas sem princípio do amor (como da justiça)!
Acesse algumas entrevistas com os autores:
http://www.youtube.com/watch?v=baFGL4N4WsI&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=QNJvM3qslIg&feature=related
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