07 fevereiro 2012
O brado retumbante, minissérie da TV Globo, de Euclydes Marinho
Apesar de certa discussão sobre o realismo fantástico ou do ficcionismo realista, isto tem muito pouca importância quando estamos a avaliar um produto de comunicação televisiva. Diria mesmo que a flexibilidade entre estas fronteiras é o que importa e o que traz a verdadeira natureza da linguagem televisiva. Já houve quem dissesse que se alguém quiser conhecer o imaginário social e politico brasileiro, que veja os telejornais. E se quiserem conhecer a realidade da cultura política nacional que se liguem nas telenovelas, ou mesmo nos programas humorísticos, com larga tradição de sarcasmo político. O que importa é que esta 76ª minissérie da Tv Globo “O brado retumbante” é a mais ousada narrativa sobre os costumes políticos brasileiros dos últimos anos. A ponto de animar debates acalorados sobre que políticos de nossa vida recente inspiraram os principais personagens. Quem seria Paulo Ventura? Uma mistura de Fernando Collor, Itamar, Lula? E o senador Nicodemo Cabral, com este nome de sabor nortista-nordestino? Seria Sarney, Antonio Carlos Magalhães, Edson Lobão? E a ala de deputados corruptos que nem inspiração precisa de tão diversa zoologia? Para não falar na ampla gama de questões de nossa recente pauta política que inspiraram com realismo desconcertante as falas dos personagens. O jovem político que é amante da mulher de um outro político. Um presidente por acaso, independente de corriolas partidárias, que resolve comprar uma briga heróica contra as quadrilhas de corruptos. As manobras para derrubá-lo, com atentados e votações de impeachement; o congresso que não vota a reforma política; a crise militar na fronteira de um país sulamericano dirigido por um general ditador; a nova lei de responsabilidade pública que pretende dobrar as penas contra a improbidade administrativa; a marquetagem das campanhas eleitorais; o genro aproveitador; o tio delinquente e vendido ao tráfego de influência; a mãe inconveniente; os desvios hediondos dos orçamentos da saúde e da educação públicas; as denúncias contra a manipulação ideológica dos conteúdos dos livros didáticos; a onda de ongs picaretas; a reação das centrais sindicais às políticas de cortes de déficits públicos; a demagogia de congressistas que vendem apoios e não votam leis necessárias, mas apenas casuísticas. Isto é tudo ficção ou pura realidade?
Como já dissemos, não importa. O que importa é a maior rede de televisão aberta brasileira se debruçar sobre o tema. Uma vez que as demais instituições reprodutoras de valores morais estão a falhar na sua outrora nobre missão, como os sistemas de educação pública e do judiciário do estado. Uma vez que instituições mais antigas com esta função não estão dando conta. A família por uma crise de restruturação como nunca passou nestes mais de tres milênios de existência. As igrejas por uma crise de valores e de credibilidade que as jogam na mesma vala comum da política partidária, na disputa comercial e pelo controle de fundos pecuniários, além da conduta imoral de alguns de seus sacerdotes. As empresas, pela ganância global, não tem mais espaço para enxergarem um pouco mais além do próximo balanço, em prejuízo direto da sustentabilidade na própria vida na terra.
Neste contexto dantesco, a ação política tenderia a ser cada dia mais negada ou inibida, senão completamente omissa, não fosse a indignação dos mais jovens e esta sempinterna esperança cultural brasileira. Não fosse também o ar de liberdade que se respira e o concurso da tecnologia da informática que tende a transformar radicalmente a ação política tal qual se concebe hoje em dia. Se estas possibilidades são reais, como o feliz desfecho de nosso herói, que decide permanecer na trincheira da luta, ficção mesmo, nesta mesma vida real, é a possibilidade de sair vitorioso de tantas batalhas, tamanha a mediocridade de instituições de estado como o judiciário e a própria polícia, como temos testemunhado nos mais recentes episódios de nossa história política.
Mais vale muito a pena continuar apostando na mídia como um fator decisivo de mudança de nossos lamentáveis costumes políticos.
Para ver mais, acessem:
http://redeglobo.globo.com/o-brado-retumbante/cobertura/
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