11 agosto 2012
Fausto, o filme de Sokurov
Grande vencedor do Festival de Veneza 2011, o filme do diretor russo é uma transposição fidedigna para o cinema de uma das obras mais importantes da literatura mundial – o Fausto, de Goethe (1749-1832) e conclui sua tetralogia sobre o poder que parte de três personagens cruciais da história mundial: Hitler (em Moloch, de 1999), Lênin (em Taurus, de 2001) e o imperador japonês Hiroito (em O Sol, de 2005). A diferença é que a série se conclui, não com um personagem histórico real, mas com uma lenda, talvez o mais importante mito do poder político do século passado e um dos mitos mais frequentes do imaginário social ocidental. Poderíamos mesmo afirmar que a lenda de Fausto está na linha paradigmática dos grandes mitos clássicos de Adão, na tradição judaica, e Prometeu, na tradição grega.
Extremamente pictórico, o filme também dialoga claramente com as pinturas de Bosch e Rembrandt, especialmente na cena do encontro entre Fausto e sua amada, Marguerite. Como admitiu o próprio Sokurov: “Sem dúvida alguma, as tradições e a estética de Rembrandt influenciaram a evocação visual em meu filme”.
E não foi esta a primeira, como não será a última vez que a obra de Goethe é adaptada para o cinema, com destaque para Fausto do grande cineasta expressionista alemão, Friedrich Murnau, de 1926, La Beauté du Diable de René Clair, de 1950, Doctor Faustus de Richard Burton, de 1967, Faust de Jan Svankmajer, de 1994 e Faust: der Tragödie Erster Teil de Ingo J. Biermann, de 2009.
Considerado a anunciação da modernidade, a lenda de Fausto se espalhou a partir do iluminismo alemão por todas as culturas europeias. No intuito de compilar tudo quanto se acreditava e se dizia acerca de Fausto, Johann Spiess, livreiro e escritor de Frankfurt, compôs no ano de 1587 a primeira narrativa literária dessa personagem. Era um volume de 227 páginas, intitulado como a Historia von dr. Johann Fausten, cujo enredo contava como ele se vendeu ao diabo a prazo estipulado, as extraordinárias aventuras que viveu nesse ínterim, a magia que praticava, e por fim sua danação e morte. Tudo isso publicado para servir de advertência sincera contra os que levavam a curiosidade intelectual além do limite estabelecido pela Igreja. Muitos críticos e estudiosos avaliam esse primeiro romance faustiano, ou Faustbuch, como passou a ser conhecido, como mera propaganda luterana para doutrinação e proselitismo, o que significa a um só tempo uma poderosa alegoria sobre a soberba humana em face do conhecimento e a necessidade de se impor um limite com o advento da Santa Inquisição.
Dois anos depois da publicação de Spiess, ou seja em 1589, o escritor e dramaturgo inglês Christopher Marlowe (1563-1593) transforma Fausto em peça teatral, onde sutilmente retrata o dilema do novo homem ocidental, então dividido entre a religiosidade medieval e o humanismo renascentista. Este texto será base, por exemplo, de versões de roteiros cinematográficos como os de Richard Burton, de 1967.
Quase dois séculos depois, no ano de 1760, foi a vez do escritor alemão Gotthold Ephraim Lessing (1729-1781) criar uma nova versão dramática do Fausto, na qual ele encarnaria o heroísmo do intelecto humano, capaz por si mesmo de triunfar sobre o mal, personificado no diabo. A obra de Lessing, porém, hoje encontra-se fragmentada. Sendo um arquétipo da alma humana, o mito de Fausto jamais se esgotou simbólica e literariamente, de modo que diversos artistas contemporâneos e posteriores a Goethe reagiram criativamente à personagem. O poeta russo Puchkin escreveu em 1826 um Fausto notável pelo diálogo com Mefistófeles. Christian Dietrich Grabbe também compôs em 1836 uma tragédia onde confrontava Don Juan e Fausto. No século XX, o poeta francês Paul Valéry escreveu a peça Mon Faust, sem todavia a concluir.
Depois foi a vez do poeta português Fernando Pessoa escrever Fausto: Uma Tragédia Subjectiva, inusitadamente narrado na primeira pessoa. E por fim, Thomas Mann publicou seu romance Doktor Faustus em 1947.
Para o crítico brasileiro Nivaldo Cordeiro, ninguém melhor que Thomas Mann fez a crônica e interpretou melhor o fenômeno do totalitarismo nazista. Discípulo e continuador da obra de Goethe, Mann conseguiu no livro Doktor Faustus juntar as partes do quebra-cabeça: o mito do Fausto, a filosofia da rebelião contra Deus, fundada no Iluminismo, o satanismo militante e o niilismo tão bem retratado na filosofia de Nietzsche. Tudo costurado numa trama que relata a ascensão e a queda do nazismo. Para além de ser também uma obra autobiográfica, que relata a ruptura espiritual de Thomas Mann com esse caldo de cultura satânico da modernidade. Mann terá sido o primeiro exilado, o alemão exemplar, que jamais se iludiu com o populismo nazista. O anti-Goethe e, ao mesmo tempo, o maior dos seus discípulos. Ele sempre soube que Hitler, mais que um fenômeno político, encarnava um problema espiritual. Dentro dos meios civis, foi Thomas Mann aquele que impôs a mais severa oposição ao nazismo, o que mais agiu e o que mais sofreu as consequências de um exilado.
Recentemente, em 2008, o escritor português Rafael Dionísio lançou os seus "Cadernos de Fausto" revisitando também este mito.
Fausto também foi tema para as peças musicais de vários compositores clássicos como Wagner (Faust), Berlioz (La Damnation de Faust), Schumann (Szenen aus Goethes Faust), Liszt (Faust-Symphonie) e Gounod (Faust). Ainda na música Fausto de Goethe serviu de inspiração para dois álbuns, Epica e The Black Halo, da banda de Metal Melódico Kamelot, e para três álbuns, The Scarecrow, The Wicked Symphony e Angel Of Babylon do projeto de Power Metal Avantasia, onde o compositor Tobias Sammet cria sua própria versão da Lenda de Fausto através de canções. Ainda na chamada "Cultura Pop", o escritor de quadrinhos Alan Moore traz em sua premiada obra "Promethea" (1999) uma versão de Fausto, baseado livremente na lenda original.
O livro O Fantasma da Ópera (Gaston Leroux) apresenta a ópera Fausto, de Charles Gounod, no momento em que Erik sequestra Christine.
Trata-se, enfim, de uma lenda, quase um mito, com o qual podemos refletir sobre a condição humana e os próprios fundamentos e valores da humanidade, o que não é absolutamente corriqueiro na cultura ocidental.
Veja matéria de imprensa sobre o filme:
http://globotv.globo.com/globo-news/globo-news-literatura/
v/livro-fausto-de-goethe-ganha-nova-adpatacao-para-o-cinema/2051479/
Veja o Fausto de Murnau de 1926:
http://www.youtube.com/watch?v=hQ7_OwQRU-M
Acesse um estudo sobre a obra de Goethe
http://www.fraternidaderosacruz.org/am_fausto_de_goethe.pdf
Acesse uma crítica sobre o Dr Fausto de Thommas Mann:
http://www.nivaldocordeiro.net/
Acesse um ensaio sobre Fausto:
http://uerj.academia.edu/KaioFelipe/Papers/1787855/A_
Bildung_Demoniaca_Doutor_Fausto_e_a_Crise_Cultural_da_Alemanha_no_Entreguerras
Para assistir o trailer do filme em questão:
http://www.youtube.com/watch?v=PlXgjnU83S8
9/8/2012
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