ABC de Ariano Suassuna
de Braulio Tavares
José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 2007
Temos ainda um grande caminho no esforço de conquistarmos a plena cidadania como cultura dominante brasileira. Mas estamos começando a acordar do grande sono do berço esplêndido. Nesta semana que passou, a Semana Armorial, composta de exposições cenográficas, de artes plásticas, oficinas de pintura e poesia, aulas-espetáculos, cinema, documentário, lançamentos de livros e concertos musicais, em homenagem a um de nossos maiores escritores vivos, ainda teve gente que fez muxoxo dizendo não entender lá muito bem a narrativa entrecortada da minissérie da TV Globo sobre o romance d’A Pedra do Reino.
Pois que não entenda, mas apenas se entregue aos sentimentos de prazer e deleite por se reencontrar enfim com as nossas próprias raízes, com a nossa identidade cultural. Pois não pode saber o que quer quem não sabe o que é. E neste momento crucial de nossa história, onde estamos empacados na encruzilhada sem saber que caminho tomar, sem saber o que queremos, enfim, de nossas vidas e de nosso país, se queremos continuar na mediocridade dos maus costumes políticos dos traidores de nossa representação política, ou se queremos construir uma nova e revigorada república forte e democrática, justa e transparente, é fundamental se entregar a nossa própria identidade, a conhecer e sentir na carne os espíritos de que somos feitos, as crenças de que somos herdeiros, os costumes a que nos rendemos.
No momento em que padecemos de mais uma tragédia nacional, em que um grande bufão de nossa política oficial quer nos fazer dementes e crédulos de suas mentiras contumazes, e arrasta as instituições da democracia para o lodo, sem a menor nobreza ou espírito público, é fundamental discernir o que pode significar a picardia de nosso grande cantador sem repente, cangaceiro manso, nobre palhaço frustrado, contador mentiroso de maravilhas, nosso maior professor de história e auto-estima Ariano Suassuna.
Para tanto, e dentre os vários produtos culturais dessa oportuna Semana Armorial, vale a pena ler o roteiro explicativo do ABC de Ariano Suassuna de Braulio Tavares, escritor, roteirista da própria minissérie, pesquisador e biógrafo de Ariano. Neste pequeno e precioso livro vamos entender os pontos-chave da narrativa fantástica d’A Pedra do Reino. O quanto ela tem a ver com a própria vida do romancista na sua profunda identificação com o personagem principal Quaderna. E de sua própria orfandade, poderemos tirar o entendimento de nossa própria orfandade coletiva, enquanto povo desprovido de liderança respeitável, de exemplaridade e de caminhos a seguir, fora o Deus de cada um, a pitada de fé de cada qual, e os falsos profetas de sempre. Pela biografia de Ariano, vamos compreender que fomos todos derrotados pelo embate de um patriarcado rural brasileiro com uma burguesia urbana arrivista, fundadora de uma república de pastiche em 1889, uma revolução anarco-sindicalista em 1930 e um golpe militar moralista em 1964. E ficamos tão mambembes na construção de nossa cidadania como a extraordinária expressão corporal de Quaderna na minissérie da Globo, que nada mais é do que a simulação do teatro de mamulengos recriada pelo genial diretor Luiz Fernando de Carvalho. Quaderna que Ariano nos ensina a ver como a síntese sertaneja e brasileira do herói épico e ascético do romanceiro da cavalaria medieval com o personagem popular da comédia de picardia renascentista, feito que nem Cervantes conseguiu sintetizar em Don Quixote e Sancho Pança.
Pois, como se diz entre o povo, miséria pouca é bobagem! Nunca precisamos tanto da ousadia das idéias para não continuar padecendo como um povo do porvir e desprovido de poder de realização. Quantas idéias, planos mirabolantes, conjecturas filosóficas, confissões ardentes, contratos de longo termo, testemunhos jornalísticos, inventários sigilosos, romances mirabolantes, imagens fantásticas, pinturas e projetos de arquitetação dramática, e tudo o mais que possam comportar os símbolos da humanidade, não estaremos todos produzindo neste exato momento sem que não nos demos conta, sem que a mídia não nos reflita e nos empodere.
Pois amarrando suas narrativas numa relação entre um indiciado injustiçado Quaderna, arrolado num processo fantástico diante de um corregedor bizarro, Ariano nos faz todos nos sentir vítimas da grande omissão do Estado brasileiro, que é a omissão de sua função mais elementar da providência da justiça. Ariano nos revela a nossa verdade tantas vezes sabotada pela mídia de entretenimento popularesca. E cita Machado de Assis: “o Brasil real é bom, revela os melhores instintos, mas o país oficial é caricato e burlesco.” E Euclides da Cunha: “deslumbrados pelas miragens de uma civilização que recebemos de empréstimo e que nos chega embalada pelos transatlânticos, nós ficamos nos acotovelando na rua do Ouvidor e deixamos de ver o Sertão amplíssimo, onde se desata a base real de nossa nacionalidade.” E Monteiro Lobato: “ temos de ser nós mesmos; ser núcleo de cometa, não cauda; puxar fila, não seguir”.
Portanto, Ariano afirma incansavelmente a identidade cultural brasileira em dimensão multimídia, fazendo-a vigorosa em todo e qualquer veículo, linguagem ou mídia que esteja a seu alcance. Inclusive nesta maravilhosa minissérie da TV Globo, que, se não é entendida, não é pela complexidade das narrativas intrincadas, se não pela nossa sensibilidade embotada pela pasteurização da cultura de massa globalizada. Este pequeno livro de Braulio Tavares é não apenas um ABC de nosso grande mestre Ariano Suassuna, mas um ABC de nossa própria identidade cultural.
Mais informações em http://www.arianosuassuna.com.br/
Pois que não entenda, mas apenas se entregue aos sentimentos de prazer e deleite por se reencontrar enfim com as nossas próprias raízes, com a nossa identidade cultural. Pois não pode saber o que quer quem não sabe o que é. E neste momento crucial de nossa história, onde estamos empacados na encruzilhada sem saber que caminho tomar, sem saber o que queremos, enfim, de nossas vidas e de nosso país, se queremos continuar na mediocridade dos maus costumes políticos dos traidores de nossa representação política, ou se queremos construir uma nova e revigorada república forte e democrática, justa e transparente, é fundamental se entregar a nossa própria identidade, a conhecer e sentir na carne os espíritos de que somos feitos, as crenças de que somos herdeiros, os costumes a que nos rendemos.
No momento em que padecemos de mais uma tragédia nacional, em que um grande bufão de nossa política oficial quer nos fazer dementes e crédulos de suas mentiras contumazes, e arrasta as instituições da democracia para o lodo, sem a menor nobreza ou espírito público, é fundamental discernir o que pode significar a picardia de nosso grande cantador sem repente, cangaceiro manso, nobre palhaço frustrado, contador mentiroso de maravilhas, nosso maior professor de história e auto-estima Ariano Suassuna.
Para tanto, e dentre os vários produtos culturais dessa oportuna Semana Armorial, vale a pena ler o roteiro explicativo do ABC de Ariano Suassuna de Braulio Tavares, escritor, roteirista da própria minissérie, pesquisador e biógrafo de Ariano. Neste pequeno e precioso livro vamos entender os pontos-chave da narrativa fantástica d’A Pedra do Reino. O quanto ela tem a ver com a própria vida do romancista na sua profunda identificação com o personagem principal Quaderna. E de sua própria orfandade, poderemos tirar o entendimento de nossa própria orfandade coletiva, enquanto povo desprovido de liderança respeitável, de exemplaridade e de caminhos a seguir, fora o Deus de cada um, a pitada de fé de cada qual, e os falsos profetas de sempre. Pela biografia de Ariano, vamos compreender que fomos todos derrotados pelo embate de um patriarcado rural brasileiro com uma burguesia urbana arrivista, fundadora de uma república de pastiche em 1889, uma revolução anarco-sindicalista em 1930 e um golpe militar moralista em 1964. E ficamos tão mambembes na construção de nossa cidadania como a extraordinária expressão corporal de Quaderna na minissérie da Globo, que nada mais é do que a simulação do teatro de mamulengos recriada pelo genial diretor Luiz Fernando de Carvalho. Quaderna que Ariano nos ensina a ver como a síntese sertaneja e brasileira do herói épico e ascético do romanceiro da cavalaria medieval com o personagem popular da comédia de picardia renascentista, feito que nem Cervantes conseguiu sintetizar em Don Quixote e Sancho Pança.
Pois, como se diz entre o povo, miséria pouca é bobagem! Nunca precisamos tanto da ousadia das idéias para não continuar padecendo como um povo do porvir e desprovido de poder de realização. Quantas idéias, planos mirabolantes, conjecturas filosóficas, confissões ardentes, contratos de longo termo, testemunhos jornalísticos, inventários sigilosos, romances mirabolantes, imagens fantásticas, pinturas e projetos de arquitetação dramática, e tudo o mais que possam comportar os símbolos da humanidade, não estaremos todos produzindo neste exato momento sem que não nos demos conta, sem que a mídia não nos reflita e nos empodere.
Pois amarrando suas narrativas numa relação entre um indiciado injustiçado Quaderna, arrolado num processo fantástico diante de um corregedor bizarro, Ariano nos faz todos nos sentir vítimas da grande omissão do Estado brasileiro, que é a omissão de sua função mais elementar da providência da justiça. Ariano nos revela a nossa verdade tantas vezes sabotada pela mídia de entretenimento popularesca. E cita Machado de Assis: “o Brasil real é bom, revela os melhores instintos, mas o país oficial é caricato e burlesco.” E Euclides da Cunha: “deslumbrados pelas miragens de uma civilização que recebemos de empréstimo e que nos chega embalada pelos transatlânticos, nós ficamos nos acotovelando na rua do Ouvidor e deixamos de ver o Sertão amplíssimo, onde se desata a base real de nossa nacionalidade.” E Monteiro Lobato: “ temos de ser nós mesmos; ser núcleo de cometa, não cauda; puxar fila, não seguir”.
Portanto, Ariano afirma incansavelmente a identidade cultural brasileira em dimensão multimídia, fazendo-a vigorosa em todo e qualquer veículo, linguagem ou mídia que esteja a seu alcance. Inclusive nesta maravilhosa minissérie da TV Globo, que, se não é entendida, não é pela complexidade das narrativas intrincadas, se não pela nossa sensibilidade embotada pela pasteurização da cultura de massa globalizada. Este pequeno livro de Braulio Tavares é não apenas um ABC de nosso grande mestre Ariano Suassuna, mas um ABC de nossa própria identidade cultural.
Mais informações em http://www.arianosuassuna.com.br/
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