10 julho 2008

Filosofia política, de Philippe Corcuff Europa-América, Mem Martins, Portugal, 2003


Importante contribuição ao debate sobre a situação e os limites da filosofia política neste novo século do professor da Universidade de Lyon. Logo na introdução o autor nos apresenta uma questão instigante: se, segundo a tradição filosófica mais remota do Ocidente, pensamos através de pares de oposições, como recursos conceituais e ao mesmo tempo limites do próprio pensamento, como idealismo/materialismo, subjetivo/objetivo, individual/coletivo, pensamos de maneira efetivamente crítica ou somos na verdade pensados por uma ideologia dominante de uma determinada época histórica? E o autor acrescenta três outros pares de oposições conceituais mais contemporâneos: a essência/aparência, o um/múltiplo e o mesmo/outro (ou identidade/diferença). Basta esta reflexão para nos conduzir à reflexão sobre toda a tradição do pensamento ocidental baseada nos pares de oposição da razão/emoção e, no campo da arte e cultura, na oposição entre os estilos barroco e clássico propostas por Jakob Burckhardt e Heinrich Wolfflin desde o século XIX.

Na primeira parte, o autor faz um levantamento abrangente dos pensadores clássicos, dos gregos à Renascença, passando pelos liberais, iluministas e economistas. Em Kant, por exemplo, extrai o máximo de um pensador desinteressado pela filosofia política, quando este idealiza a melhor organização política da sociedade que equilibra os valores da liberdade, da lei e do poder. A anarquia seria a lei e a liberdade sem o poder; o despotismo, a lei e o poder sem a liberdade; a barbárie, o poder sem a liberdade nem a lei; e a república, o ideal do poder com a liberdade e a lei. Na segunda parte, retoma o inventário em face de dois dos principais conceitos da filosofia política, qual seja o da dominação e da justiça. Recupera de Aristóteles a sua noção de eqüidade como forma superior da igualdade e da justiça, no sentido de que ela constitui uma correção do caráter geral e uniforme da lei na sua aplicação concreta sobre a conduta de um cidadão real. É a chamada “circunstâncias atenuantes” do ato julgado. O que terá inspirado o filósofo contemporâneo americano John Rawls (1921 – 2002) em sua obra Teoria da Justiça, de 1971. Segundo ela, dois princípios devem ser observados: as liberdades e os direitos de base iguais para todos não podem ser sacrificados na procura de uma maior justiça social e a igualdade de oportunidades não pode ser sacrificada ao melhoramento das condições de vida dos mais desfavorecidos.

A tal ponto que, mesmo na França, o ensaísta Alain Minc, redator final do plano A França no ano 2000, recomendava ao primeiro-ministro Edouard Ballandur que substituísse o valor da igualdade pelo da eqüidade na legenda oficial da república.

Já outro filósofo do liberalismo político norte-americano, Michael Walzer (1935), professor de Princeton e editor da revista Dissent, ficou conhecido como defensor do princípio da guerra justa e se inclui numa posição ideológica chamada de liberalismo comunitarista. Em seu livro Esferas da Justiça: uma defesa do pluralismo e da igualdade, de 1983, analisa como a sociedade distribui não só a riqueza e o poder, mas outros "bens" sociais, como reconhecimento, educação, trabalho, proteção social, lazer e até amor de forma desigual e como estes “bens” não devem servir como meio de dominação política, numa nova e criativa teoria da igualdade. Neste sentido defende uma intervenção mais sustentada do Estado a favor da justiça social, contra a pobreza e pela igualdade complexa, sobretudo nos domínios do emprego, da proteção social e da educação básica, contrastando com as posições dos libertarians e se identificando com um social-liberalismo.
Hans Jonas, 1903 – 1993, filósofo de origem alemã, vai defender uma ética ecológica, em seu livro O princípio de responsabilidade: uma ética para a civilização tecnológica, 1990, onde as gerações atuais têm responsabilidade pelos direitos à vida e à segurança ambiental das gerações futuras. O novo imperativo moral, derivado de Kant, deve se formular positivamente: age de modo que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida autenticamente humana na terra. Ou mesmo negativamente: age de modo que os efeitos de tua ação não destruam a possibilidade de vida futura na terra.

Hanna Arendt (1906 – 1975), filósofa judia alemã emigrada nos EUA, dedica sua obra à reflexão da natureza da democracia política e das origens do totalitarismo (1951), quando o identifica com três ocorrências políticas: o isolamento dos indivíduos da livre convivência social; o terror objetivo e subjetivo, ou exterior, via os aparelhos repressivos do Estado, e interior, via ideologia dogmática; e a dominação do indivíduo, via a abolição da distinção público/privado.

Concluindo, Philippe Corcuff propõe como agenda deste século XXI a reinvenção crítica do Estado-providência, o Estado da segurança social que se estabilizou no decorrer do século XX, o que pode ser associado ao advento da social-democracia. Todavia, sempre posto em causa pela crítica social-liberal sobretudo da burocratização de suas instituições que tendem a cercear as iniciativas de empresas e cidadãos.
Vale a pena conferir.

Jorge Maranhão