31 janeiro 2009


Philosophy, a graphic guide to the history of thinking De Dave Robinson & Judy GrovesIcon Books, Cambridge, 2007

Um campo tão abstrato e complexo como as idéias filosóficas visto pela linguagem tão concreta e didática como os quadrinhos. Só isto é de chamar a atenção de qualquer leitor. A começar pela delimitação do campo da filosofia enquanto especulação sobre as razões primeiras e últimas das coisas até as mirabolantes teorias do conhecimento da idade moderna. Muito embora o texto não considere a delimitação clássica da passagem da especulação mitológica pré-socrática para a propriamente filosófica da era dourada dos gregos, quando da questão de saber do que era feita a realidade se passou para a questão do próprio saber e do próprio ser.A partir de Sócrates a questão maior da filosofia será a natureza do próprio homem enquanto ser que conhece. Se, à primeira vista, os atenienses produziram os modelos da filosofia ocidental, como a poesia, o drama, a astronomia, a matemática, a política etc, o fizeram graças à superação da contradição entre o exercício da democracia dentro de uma estrutura social escravocrata, uma vez que se intitulavam como cidadãos apenas os senhores de escravos ou no máximo os homens livres. À “grande questão” sobre a natureza da realidade, como a questão que explicaria todas as demais, seria substituída pela questão sobre a natureza do próprio homem. O homem passa a ser a medida de todas as coisas, como preceituava Pitágoras.Após Platão, discípulo de Sócrates, e a sua alegoria da caverna, a filosofia permanecerá idealista por mais de dois mil anos, até o advento do empirismo de Hume e Locke. Prevalece a idéia de dois mundos, mito babilônico, egípcio e judaico-cristão: o mundo imperfeito dos homens e o mundo perfeito das idéias. Apenas com Aristóteles, se retomará a idéia do realismo filosófico da integridade da natureza e do homem. E até o advento da filosofia cristã a partir de Constantino (séculos III e IV d.C.) sucedem-se escolas hedonistas e epicuristas, voltadas para a busca da fruição da vida e do prazer, os racionalistas estoicistas que lhes opõem a razão contra os sentidos, até os céticos e cínicos relativistas cujo método de conhecimento era não acreditar em nada para se verem livres de todas as preocupações.Com Santo Agostinho, à fé viria se unir a razão, que é da natureza do homem pela própria vontade de Deus. E estava justificado o livre arbítrio. Sucedem-se as questões medievais a cerca da natureza de Deus como o primeiro motor, a causa de todas as causas, até que no século XIII São Tomás de Aquino identifica Deus como a própria natureza. A busca pelo conhecimento humano não pode ser tomada como uma tentação herética de se igualar a Deus, uma vez que mesmo as leis humanas estão sempre submissas às leis de Deus. Está justificado o direito divino dos reis, até o advento do renascimento humanista de Lutero.A Reforma do século XV abre caminho para a retomada das teorias políticas clássicas, com Maquiavel (século XVI) e Hobbes (século XVII) e seu conceito de contrato social, onde a instância governamental é o terceiro excluído do contrato para lhe garantir a arbitragem de eventuais conflitos, ao mesmo tempo que é incluído para considerar os efeitos exteriores ao próprio contrato. Moralidade é o mesmo que uma cínica obediência às leis de homens essencialmente vis. É também nos fins do século XVII que surge a dúvida metódica de Descartes, reinaugurando o estoicismo e ceticismo modernos através da teoria do conhecimento dedutivo-idealista. Quando John Locke, iluminista inglês, irá se opor às idéias inatas desta tradição retomando o empiricismo indutivo pré-socrático. É o apogeu do iluminismo humanista dos enciclopedistas franceses como Voltaire e Diderot na passagem do século XVII para XVIII que possibilita o iluminismo escocês de David Hume e seu empirismo ceticista. O princípio do contrato social hobbesiano de caráter cético e realista é questionado pelo romantismo idealista-coletivista de Jean-Jacques Rousseau com a defesa da natureza inocente do homem em estado de vida natural e do princípio da vontade geral.Enquanto isso, Kant se contrapõe a Hume demonstrando que o conhecimento não pode ser fruto apenas da experiência, mas existe a priori a ela sob a forma de intuição; ou seja, retoma a idéia de duas dimensões do mundo, a sua essência (nomos) e sua aparência (fenômeno). A idéia kantiana do imperativo categórico (só posso fazer aquilo que todos podem fazer) é a retomada da idéia de Locke de liberdade dentro da lei, para que a liberdade de todos possa ser de fato garantida; ao mesmo tempo em que antecipa a idéia do “no harm to others” de Stuart Mill. Já na passagem para o século XIX, Hegel retoma a idéia da realidade enquanto processo histórico dialético, onde sínteses são realizadas a partir de teses e antíteses. Embora se oponha a esta possibilidade, Schopenhauer deixará herdeiros de uma severa crítica à tradição racionalista ocidental, como o próprio Nietzsche. Se Marx é produto do idealismo alemão de Hegel, da economia política inglesa de Adam Smith e do socialismo utópico francês, Nietzsche é fruto da crítica do determinismo histórico de Fichte e Schopenhauer. Sucedem-se as críticas da história como produto da consciência em Hegel (ao contrário da consciência como resultante da história de Marx), da divisão do trabalho e da teoria da mais-valia de David Ricardo e Adam Smith e da utopia socialista de Feuerbach. As idéias-força de Marx ofuscam no mesmo momento histórico as idéias utilitaristas de John Stuart Mill, que afirma que a maior missão de um governo é a garantia da maior felicidade para a maioria dos cidadãos. Esta cultura de liberdade é que fundará a organização social norte-americana desde a independência até o transcurso do século XIX, com Thomas Jefferson, Thoreau e Tocqueville.Mas a partir do aprofundamento da crítica da razão nietzscheana, chegamos enfim à pós-modernidade com a filosofia se estilhaçando entre existencialismos, fenomenologias, filosofias da história pós-marxistas, filosofias da linguagem, estruturalismos, filosofia analítica, psicanálise, inúmeras teorias para as filosofias da ciência, da arte e da cultura. Ao mesmo tempo em que a convergência tecnológica parece tramar um retorno do ideal de cidadania de um homem livre, autônomo e senhor de seu destino.