
Num país onde todos os políticos se dizem de esquerda ou, no mínimo, socialdemocratas, onde são raros os que se assumem como conservadores, é mais do que saudável ter alguém que desafine com toda esta burra e pseudo-unanimidade. Pela sua vasta cultura geral, pela vivacidade de seu texto, pela sua afiada inteligência e cortante senso crítico, só não posso concordar que seja mínimo o país que produz um jornalista do porte de Reinaldo Azevedo.
Um ponto central no pensamento sob a forma de aforismos do autor é a legalidade que deve prevalecer na prática política brasileira. Mas, como vimos defendendo aqui, para além da prática política de nossos governantes e legisladores, temos forçosamente de ressaltar este mesmo aspecto no âmbito de nossa cultura de cidadania política. E aí a crítica pode se estender a toda a nossa cultura, dos paradigmas do tempo histórico aos complexos dados de nossa formação social. O que torna provinciano o olhar sobre nossa identidade cultural em comparação com os modelos do primeiro mundo. Quando o que é destacável no pensamento de Reinaldo Azevedo é exatamente a sua corrosiva crítica à miserabilidade de nossa vida política, aspecto, aliás, que não faz jus ao que o país já alcançou nos mais variados campos de sua expressão e identidade culturais. O aforismo “O Brasil entrou em decadência sem ter conhecido o esplendor” é aceitável apenas pela sua expressão política, uma vez que não é verdade em outros campos das atividades brasileiras.
Mas a defesa veemente que o autor empreende da democracia é insofismável, sobretudo quando nossas instituições se apresentam tão claudicantes e ainda submissas à sanha corporativa dos governantes. Se a democracia tem de ser protegida de uma minoria totalitária, com muito mais razão deve ser protegida de uma maioria totalitária. Pois democracia é aquele regime que garante os direitos fundamentais do homem, dos quais o mais fundamental é o direito de dissentir dos poderosos. A alerta sobre a omissão de nossas elites quanto à urgência de defesa aberta e contundente dos valores humanistas é mais do que pertinente. É urgente dado a hesitação geral das elites em todo o continente latino-americano. Embora possamos discordar de vez em quando, não na essência, mas meramente na forma, quando o autor afirma que “esquerdistas acreditam na história enquanto sujeito e no sujeito enquanto objeto”. Se os liberais são clássicos, eivados de romantismo serão exatamente os primeiros socialistas utópicos, que acreditavam piamente no voluntarismo da ação individual. Se a esquerda se deteriorou em esquerdismo, esta crítica é de autoria do próprio Karl Marx quando se refere à doença infantil do comunismo. Quando o que falta de fato na formação de nossa elite política é exatamente o componente do liberalismo clássico. Ou por vício da mentira política, da nossa recorrente compulsão pela quebra de palavra, ou por mera ignorância.
Nada mais preciso do que a sua exortação para que os juízes voltem a julgar inspirados mais no espírito das leis do que no espírito das ruas. Muito embora saibamos que o motor da justiça é exatamente o clamor público. Muito embora devamos restaurar a cegueira da justiça enquanto princípio de equidade e sabedoria, enquanto atributo dos grandes oráculos, os que viam para além dos olhos e eram justos por que sábios. Mas, para além de quaisquer dissensos ideológicos, o que nos une aos brasileiros mais lúcidos, na quadra decisiva de nosso futuro político, é o esforço de todos pelo resgate da qualidade de nossa representação política, é o combate justo e de todos contra a corrupção da vida pública brasileira. Quando Reinaldo Azevedo define a política como “a arte de hierarquizar as mentiras e distinguir as aceitáveis das inaceitáveis”, nos leva a questionar o que existiria fora da política como forma de luta possível contra a própria mentira política. No mais, é sempre instigante e enriquecedor saborear esse estilo destemido e límpido de um de nossos mais lúcidos e argutos jornalistas e cidadãos brasileiros.
Veja o blog do autor
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/
Sua editora
http://www.record.com.br/novidades_cada.asp?id_novidade=266
E entrevistado por Jô Soares
http://www.youtube.com/watch?v=IRozWuhA0Pk
http://www.youtube.com/watch?v=0ILbbZJ_Y6A
http://www.youtube.com/watch?v=bwtexTiXQLs