29 dezembro 2009

Máximas de um país mínimo, de Reinaldo Azevedo


Num país onde todos os políticos se dizem de esquerda ou, no mínimo, socialdemocratas, onde são raros os que se assumem como conservadores, é mais do que saudável ter alguém que desafine com toda esta burra e pseudo-unanimidade. Pela sua vasta cultura geral, pela vivacidade de seu texto, pela sua afiada inteligência e cortante senso crítico, só não posso concordar que seja mínimo o país que produz um jornalista do porte de Reinaldo Azevedo.

Um ponto central no pensamento sob a forma de aforismos do autor é a legalidade que deve prevalecer na prática política brasileira. Mas, como vimos defendendo aqui, para além da prática política de nossos governantes e legisladores, temos forçosamente de ressaltar este mesmo aspecto no âmbito de nossa cultura de cidadania política. E aí a crítica pode se estender a toda a nossa cultura, dos paradigmas do tempo histórico aos complexos dados de nossa formação social. O que torna provinciano o olhar sobre nossa identidade cultural em comparação com os modelos do primeiro mundo. Quando o que é destacável no pensamento de Reinaldo Azevedo é exatamente a sua corrosiva crítica à miserabilidade de nossa vida política, aspecto, aliás, que não faz jus ao que o país já alcançou nos mais variados campos de sua expressão e identidade culturais. O aforismo “O Brasil entrou em decadência sem ter conhecido o esplendor” é aceitável apenas pela sua expressão política, uma vez que não é verdade em outros campos das atividades brasileiras.

Mas a defesa veemente que o autor empreende da democracia é insofismável, sobretudo quando nossas instituições se apresentam tão claudicantes e ainda submissas à sanha corporativa dos governantes. Se a democracia tem de ser protegida de uma minoria totalitária, com muito mais razão deve ser protegida de uma maioria totalitária. Pois democracia é aquele regime que garante os direitos fundamentais do homem, dos quais o mais fundamental é o direito de dissentir dos poderosos. A alerta sobre a omissão de nossas elites quanto à urgência de defesa aberta e contundente dos valores humanistas é mais do que pertinente. É urgente dado a hesitação geral das elites em todo o continente latino-americano. Embora possamos discordar de vez em quando, não na essência, mas meramente na forma, quando o autor afirma que “esquerdistas acreditam na história enquanto sujeito e no sujeito enquanto objeto”. Se os liberais são clássicos, eivados de romantismo serão exatamente os primeiros socialistas utópicos, que acreditavam piamente no voluntarismo da ação individual. Se a esquerda se deteriorou em esquerdismo, esta crítica é de autoria do próprio Karl Marx quando se refere à doença infantil do comunismo. Quando o que falta de fato na formação de nossa elite política é exatamente o componente do liberalismo clássico. Ou por vício da mentira política, da nossa recorrente compulsão pela quebra de palavra, ou por mera ignorância.

Nada mais preciso do que a sua exortação para que os juízes voltem a julgar inspirados mais no espírito das leis do que no espírito das ruas. Muito embora saibamos que o motor da justiça é exatamente o clamor público. Muito embora devamos restaurar a cegueira da justiça enquanto princípio de equidade e sabedoria, enquanto atributo dos grandes oráculos, os que viam para além dos olhos e eram justos por que sábios. Mas, para além de quaisquer dissensos ideológicos, o que nos une aos brasileiros mais lúcidos, na quadra decisiva de nosso futuro político, é o esforço de todos pelo resgate da qualidade de nossa representação política, é o combate justo e de todos contra a corrupção da vida pública brasileira. Quando Reinaldo Azevedo define a política como “a arte de hierarquizar as mentiras e distinguir as aceitáveis das inaceitáveis”, nos leva a questionar o que existiria fora da política como forma de luta possível contra a própria mentira política. No mais, é sempre instigante e enriquecedor saborear esse estilo destemido e límpido de um de nossos mais lúcidos e argutos jornalistas e cidadãos brasileiros.

Veja o blog do autor

http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/


Sua editora

http://www.record.com.br/novidades_cada.asp?id_novidade=266


E entrevistado por Jô Soares

http://www.youtube.com/watch?v=IRozWuhA0Pk


http://www.youtube.com/watch?v=0ILbbZJ_Y6A


http://www.youtube.com/watch?v=bwtexTiXQLs