31 outubro 2011

Ocupe Wall Street



Ocupe Wall Steet: muros, redes e ruas

Ocupe Wall Street não é apenas mais uma manifestação de jovens rebeldes, desempregados e sem causa como querem alguns. Aliás, Wall Street é significativa na sua própria origem. Muito antes do emblemático muro de Berlin, levantado em 1961 e derrubado em 1989, muitos outros muros foram erguidos e derrubados desde a antiguidade, quando a humanidade resolveu deixar o nomadismo para viver em cidades. Mas na idade moderna não podemos deixar de evocar o episódio da construção do muro contra a invasão dos índios habitantes originais da ilha de Manhattan nos primórdios de 1635. Ao contrário dos franceses, civilizações como a inglesa e a alemã já desconfiavam que os selvagens não eram tão bons assim. E no lugar de muros caídos sempre surgiam ruas, a exemplo do eloquente Ring que volteia Viena. No início, Ocupe Wall Street até poderia ser considerado mais uma manifestação de jovens e desempregados contra a crise do sistema financeiro americano de 2008, ou a crise de credibilidade de governos cada dia mais questionados em suas rústicas políticas de combate aos crescentes déficits públicos dos estados de bem estar social.
Mas o fenômeno se espalhou por centenas de cidades mundo afora, nos levando a refletir não apenas sobre a persistência e a cobertura da onda iniciada pela intensa utilização política das redes sociais, mas também pelo equívoco das avaliações do fenômeno com as mesmas categorias e conceitos de avaliação sociológica tradicional. Só aparentemente parece não haver conexão entre reivindicações tão várias em regiões politicamente tão díspares como Wall Street, capital financeira mundial, a Primavera Árabe contra os regimes despóticos de vários países da liga árabe africana, revoltas dos jovens espanhóis sem empregos na Puerta del Sol madrileña e dos estudantes chilenos contra a decadência da educação pública; ou mesmo a revolta dos gregos contra os cortes do orçamento público e, por fim, as marchas contra a corrupção governamental realizadas já em dezenas de cidades brasileiras e já programada para o próximo feriado de 15 de novembro em sua terceira edição.

Para não falar no movimento do dia 15 de outubro passado, quando quase mil cidades em todo o mundo realizaram o que então foi chamado de “Dia Global de Ação”, com o lema “Unidos por uma Mudança Global” que quer chamar a atenção da mídia e dos cidadãos comuns para a responsabilidade de governos e do sistema financeiro internacional pela atual crise mundial.
A promiscuidade entre os dois ficou clara uma vez que a transparência que um Wikileaks está a exigir de governos é a mesma que as redes sociais passaram a exigir da aplicação dos orçamentos públicos nos serviços sociais e na rolagem das dívidas públicas. Na verdade, prenúncios do Ocupe Wall Street surgiram na Europa, nos manifestos de Portugal, da Espanha e da Grécia contra as medidas de corte de orçamentos sociais dos governos em face à crise dos déficits fiscais. E apenas ganhou visibilidade internacional ao chegar a Nova York, centro financeiro mundial, e agora a Berlin e Frankfurt.

O que é preciso entender nessa cadeia de eventos é o papel cada vez mais influente que as novas mídias sociais estão ganhando para a formação de uma nova legião de cidadãos. São pessoas de todas as idades que se informam e se manifestam de maneira cada vez mais rápida e intensa através da web. O próprio site do evento nova-iorquino, o “occupywallst.org” afirma com todas as letras que seu modus operandi segue o das recentes manifestações da famosa Primavera Árabe.

E, assim como os eventos contra a corrupção por aqui, os movimentos se declaram apartidários e não ligados a qualquer organização de governo, partidos políticos ou sindicatos. Nos Estados Unidos, as manifestações não se limitam a Nova York desde o dia 17 de setembro. Na última contagem oficial do site “15october.net”, ligado ao movimento americano, 719 cidades em nada menos que 71 países já confirmaram novas manifestações. Inclusive aqui no Brasil, nas cidades de Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Campinas, Curitiba, Salvador, Maceió, Olinda e dezenas de outras. Curiosamente, São Paulo, centro financeiro do Brasil, ainda não confirmou nenhum evento. Mas em Frankfurt, os cidadãos levantaram slogans e cartazes não apenas contra os ricos, mas também contra os que querem viver das benesses de estados providenciais sem pagar o preço do trabalho duro. Um dos cartazes exibidos nesta semana é um poema polissêmico: - You play, we pay!

Vale a pena acompanhar. Pois pode estar surgindo um novo tipo de democracia virtual, criada por cidadãos tão preocupados com as questões locais quanto com os temas da cidadania planetária. E que pode resultar numa democracia mais direta e participativa, temas que inclusive estão nos itens da Reforma Política que diversas entidades da sociedade civil estão propondo aqui no Brasil. Que não nos esqueçamos jamais da lição do urbanismo histórico: geralmente surgem novas ruas e caminhos no lugar onde desabam as pedras dos muros que caem.