14 julho 2012
Habemus Papam, de Nanni Moretti
Com Michel Piccoli no papel principal, o seu desempenho é um espetáculo à parte. Mas a escolha do argumento do mesmo Nanni Moretti é surreal e de fino senso estético, daqueles que enfrentam as grandes questões existenciais com a leveza da ironia e do humor. Conduzem o espectador pelo caminho fácil de uma comédia ao sítio insuspeitável dos grandes dramas. Poderíamos dizer que o roteiro trata de uma paródia crítica sobre o distanciamento da Igreja católica de seus fiéis pelo sigilo interno e o peso de seus rituais e tradições, pela natureza de seu poder celeste e terreno, mas não se esgota aí. Como também não se esgota numa paródia elegíaca do drama A Gaivota de Tchekov, uma vez que o candidato a papa foi um ator fracassado e conhece como ninguém o sentimento paralisante do medo de entrar em cena. Poderíamos dizer que se trata de uma grande alegoria sobre o poder político mal dividido entre as regiões do planeta, mas também não se esgota aí o roteiro.
Como ateu assumido, o diretor mais celebrado da Itália contemporânea ousa uma paródia sobre a crise da própria fé religiosa. Encarna a figura inusitada de um psicanalista para tratar, não apenas do papa eleito pelos seus pares pela vontade de Deus e em total crise de pânico diante da imensa responsabilidade de se tornar objeto da fé de milhões de fiéis, mas a própria irracionalidade da fé contemporânea persistindo de maneira ridícula numa humanidade que já perdeu a centralidade do universo com Copérnico, a imagem da semelhança divina com Darwin e a própria certeza de autodeterminação com o próprio Freud. Neste sentido, o filme ousa o questionamento do próprio poder político diante de massas de fiéis desprovidos de cidadania e autogoverno. Mas o processo humano de escolha desta figura paterna representante de Deus na terra, esteio e enlevo do desamparo intrínseco da natureza humana, é o mesmo de uma encenação teatral, onde se estabelece o conflito ou o conclave entre os que disputam o papel principal, em meio a outros tantos que, longe desta função, preferem permanecer no conforto do anonimato sem maiores responsabilidades ou expectativas de tantos espectadores. A escolha, que nesses casos cai sobre uma figura neutra, como estratégia de não se escolher um único vencedor, corresponde à própria falência da figura do pai, o que nos leva todos à miserável condição humana de orfandade, tema fundacional da própria psicanálise. Pelo menos é esta a aposta dramática do diretor espelhando-se em Tchekov e para além da comédia cotidiana do filme.
Veja o trailer oficial: http://www.youtube.com/watch?v=Mr8O687r-60