Não é de hoje que sabemos que a chamada “voz das ruas” nada mais deseja do que o devido monitoramento dos gastos e investimentos públicos em suas mais diversas áreas. No âmbito institucional, esse monitoramento é feito, sobretudo, por instituições de controle externo como os tribunais de contas, em suas três esferas, união, estados e, alguns poucos, municípios. O trabalho desses tribunais funciona como uma auditoria externa de contas, como acontece no mundo real do mercado e entre qualquer empresa idônea e transparente, por força de sua competição por recursos privados do mercado investidor. E se é usual no mundo privado, mais urgente ainda teria de ser na esfera pública.
Mas até que ponto o papel dessas instituições públicas está de acordo com o que a sociedade espera delas? A cada dia, mais críticas surgem a respeito da escolha dos seus membros mais graduados, sejam ministros do TCU ou conselheiros dos TCEs. Atualmente, a escolha final é feita em parte pelo chefe do Executivo, e de outra parte pela maioria dos legislativos formada por pressão direta do mesmo Executivo, o que deixa margem para um jogo político muitas vezes pouco transparente. É o mais ilustrativo caso do dito popular da raposa tomando conta do galinheiro. Não custa lembrar que o trabalho dos tribunais de contas é justamente verificar se o poder Executivo está gastando o dinheiro público da maneira mais correta e eficiente.
E é por isso que algumas entidades da sociedade civil, focadas na agenda da transparência pública e no combate à corrupção, estão cada dia mais dedicadas a discutir o papel fundamental dos tribunais de contas para a cidadania. Dentre elas, a Rede Nossa São Paulo, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), o Instituto Ethos, a Associação dos Membros do Ministério Público de Contas (Ampcon), a Articulação Brasileira de Combate à Corrupção e Ilegalidade (Abracci), a Rede Amarribo Brasil e outras.
Visando à comemoração do Dia Internacional de Combate à Corrupção, 9 de dezembro, sucedem-se eventos no mundo inteiro para troca de experiências e fechamento de balanços de realizações e metas alcançadas no setor. Em 18 de novembro passado, inclusive, foram debatidas propostas para modernizar e tornar os tribunais de contas municipais e estaduais mais transparentes e acessíveis aos cidadãos. No auditório da FGV de São Paulo o tema foi “Tribunal de contas, esses ilustres desconhecidos”, tendo o próprio Tribunal de Contas do Município de São Paulo, o TCM-SP, servido como estudo de caso.
Muito ainda precisa ser feito para termos tribunais de contas realmente cidadãos, mais voltados ao bem comum e menos permeáveis a interesses da politicagem. Como alertou o procurador Diogo Ringenberg, presidente da Ampcon – Associação dos Membros do Ministério Público de Contas, e um dos debatedores convidados do evento, “um tribunal de contas técnico e menos político será mais eficiente e usual para a sociedade. Grande parte das mazelas sociais poderia ser evitada, caso a função das cortes de contas fosse levada a sério no país”. Para Elda Fim, verdadeira agente de cidadania e coordenadora da Ong Moral, dedicada ao monitoramento de gastos públicos, o importante é fortalecer as auditorias dos tribunais de contas, deixando para o Ministério Público o julgamento das contas auditadas, o que cortaria pela raiz o mal das nomeações de raposas para cuidar dos galinheiros.
Para que a parte mais ativa da sociedade possa acompanhar o tema do controle externo, e melhor qualificar o debate político nacional, é preciso superar a demandante e reivindicatória voz das ruas pelas objetivas e propositivas da voz dos cidadãos. Os participantes do evento ocorrido em São Paulo concordaram que é preciso aproximar estes órgãos de fiscalização da administração pública da sociedade, ampliando a transparência e tornando-os acessíveis ao cidadão. Entre as medidas defendidas está a instalação de ouvidorias em tribunais de contas, como o de São Paulo, que ainda não possui esse instrumento de diálogo com a população, e o estabelecimento de critérios para que os conselheiros indicados para os cargos atendam as exigências definidas na Constituição Federal. Para o professor Marco Antonio Carvalho Teixeira, do Departamento de Gestão Pública da FGV, “o principal cliente dos tribunais de contas é o cidadão e, só depois, o Poder Legislativo”. Ele lembrou que em dezembro abrirá uma vaga no Tribunal de Contas Municipal de São Paulo (TCM-SP), com a aposentadoria de um dos atuais conselheiros. “Talvez o mais importante neste processo seja discutir o perfil do futuro ocupante do cargo”, sugeriu.
De acordo com a Constituição Federal de 1988, os conselheiros precisam cumprir diversos requisitos para sua nomeação, o que não é observado em inúmeros TCEs do país. Integrante de uma das mesas do evento, o conselheiro do TCM-SP Maurício Faria destacou que a aplicação da Lei de Acesso à Informação não estar ainda regulamentada pelo Tribunal de Contas Municipal, um órgão colegiado composto por cinco conselheiros, 532 funcionários e orçamento de R$ 252.620.000,00 em 2013. Marcos Alcyr Brito de Oliveira, presidente do Sindilex (Sindicato dos Servidores da Câmara Municipal e do Tribunal de Contas do Município de São Paulo), sentenciou: “O grande papel dos tribunais de contas é fomentar o exercício da cidadania”. O presidente do Tribunal de Contas do Tribunal do Rio Grande do Sul, Cezar Miola, relatou a experiência do órgão que preside. Lá a ouvidoria já existe há 10 anos e o TCE-RS teve papel importante no questionamento do preço da passagem do transporte público em Porto Alegre, que recuou de R$ 3,05 para os atuais R$ 2,80.
Para o mediador do evento, Maurício Broinizi Pereira, coordenador executivo da Rede Nossa São Paulo, a partir do debate, “a ideia é fazer avançar a construção de um sistema nacional de controle externo das contas públicas”. Oportuno compromisso para os candidatos às eleições de 2014, vocês não acham?
* Jorge Maranhão é diretor do Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão. Email jorge@avozdocidadao.com.br