08 março 2010

Entre o passado e o futuro, Hannah Arendt


Em homenagem ao Dia Internacional da Mulher!


A grande pensadora e ensaísta da filosofia política moderna, judia de origem alemã (1906 – 1975), estabeleceu um dos maiores postulados sobre o conceito de cidadania no século XX: cidadania é o direito de ter direitos.

Todavia, o preceito tem sido usado pela metade, como demagogia de viés socialista, pois à garantia de qualquer direito deve corresponder sempre uma “obrigação política”, qual seja a de o cidadão oferecer resistência à opressão e à tentação totalitária dos governantes, através de sua ação de oposição, participação e até mesmo da desobediência civil.

Este livro, de 1968, e que aprofunda conceitos essenciais de sua opera maxima “As origens do totalitarismo”, de 1951, é na verdade uma coletânea de oito ensaios sobre os valores fundamentais das práticas políticas entre o passado e o futuro, onde a filósofa e historiadora discorre sobre a diluição da tradição, o necessário testamento moral que as gerações anteriores legam às posteriores, como único liame ou fio condutor da própria história. E, em conclusão do trágico desfecho da política na modernidade com a diluição da tradição, se soma o declínio da autoridade e a crise da religião, não apenas enquanto crença em doutrinas, mas como fé numa origem maior (de pater, sênior, autoritas, major) da experiência vivida e registrada como testemunho aos pósteros. Para além da tradição, outros temas abordados nos ensaios são a história, a autoridade, a liberdade, a educação, a cultura, a verdade e a dignidade humana.

Desde Hegel, a filosofia da história deixa de ser apenas a compreensão do passado para se tornar uma reflexão sobre modelos de ação política futura. Se Marx avançou na restauração do trabalho como concepção determinante do próprio homem (não apenas um animal rationale, mas sobretudo um animal laborans, aliás já prevista na condenação do Gênese “ganharás a vida com o suor de teu rosto”), comprometeu o valor da liberdade na sua concepção do Estado limitado a instrumento de dominação de classe. Como já dissemos, a propriedade primeira do cidadão é a do seu próprio corpo e mente na forma de livre pertencimento de sua força de trabalho física e intelectual, o que só se realiza pela conquista da liberdade de escolha (a “busca da felicidade” da constituição americana).

Se, como afirma James Madison, ”All governments rest on opinion”, a autoridade política, como a ontologia da lei, se originam na crença da “boa moral” por parte da sociedade. Arendt assinala que até o século XIX “parecia escandaloso aos tribunais ingleses aceitar o testemunho de um cidadão que não acreditasse numa existência para além da vida terrena, pois na verdade não acreditaria na possibilidade da própria justiça” (como na possibilidade de se pagar por erros cometidos). Se a civilização romana funda Roma como a cidade eterna, diferentemente da tradição grega que separava a polis do Olimpo, a funda como morada dos deuses. Santo Agostinho, portanto, constituirá na Cidade de Deus, o fundamento de autoridade dos governantes da cidade dos homens, o fundamento da própria lei que, segundo Platão, “é o déspota dos governantes, pois os governantes são os escravos da lei” ou “só aqueles que sabem se governar têm o direito de governar os outros e se livrarem da obrigação da obediência” (Das Leis). Todas as revoluções advindas da modernidade, da inglesa de 1688, passando pela francesa de 1789, e as revoluções na Alemanha, Itália e França de 1848, marcam o declínio do Ocidente e da trindade romana da religião, tradição e autoridade. Some-se a isto o vaticínio de Walter Benjamin – contemporâneo e amigo singular de Hannah Arendt - sobre a estetização da política e politização da arte. Se a política sempre esteve próxima das artes de realização, como literatura, arquitetura, escultura e pintura, estará também de seus opostos como as artes de desempenho da música, da dança/coreografia e do teatro, pela via da revolução tecnológica dos equipamentos de registro do desempenho como as câmeras de fotografia, de filmar e de gravar.

No ensaio sobre a liberdade, em que cita Aristóteles (“a liberdade significa fazer o homem o que deseja”), cita também Kant (“a liberdade é a própria razão de ser da política e o seu domínio de experiência é a ação”), e Hobbes (“a condição da liberdade é a liberação do medo”); cita também Montesquieu (“a liberdade é o direito de fazer o que a legislação permite”), mas não cita John Locke (“onde não há lei, não há liberdade”).

A partir da publicação de As origens do totalitarismo, em 1951, até a sua morte em 1975, Arendt se dedica a ensinar na Nova Escola de Pesquisa Social, de Nova York, uma dissidência da Universidade de Columbia fundada em 1919 por um grupo de intelectuais norte-americanos independentes e militantes contra a primeira guerra mundial, e que vai receber a partir de 1933 os intelectuais e pensadores oriundos da Escola de Frankfurt, perseguidos pelo nazismo e sob a denominação de Universidade do Exílio. A partir da teoria crítica de Horkheimer, Adorno, Habermas, Benjamin, Marcuse e outros, Arendt vai explorar e desenvolver conceitos fundamentais para a moderna filosofia política, como a origem do totalitarismo, o anti-semitismo, a condição humana, o poder, a liberdade, a cultura de massa, a banalidade do mal, a ação da cidadania na sociedade, suas faculdades de juízo e vontade, as diferenças das esferas “privada” e “pública”, o significado do “oikos” e da “polis” etc.

Para conhecer mais, acesse:

http://www.newschool.edu/nssr/subpage.aspx?id=18664

http://www.hannaharendt.org/

http://www.youtube.com/watch?v=FZ1iqqcunsg&feature=PlayList&p=3DAE83D7101836E3&index=39

http://www.scielo.br/pdf/ea/v11n30/v11n30a05.pdf