03 dezembro 2013

Tribunais de contas, ilustres desconhecidos

Não é de hoje que sabemos que a chamada “voz das ruas” nada mais deseja do que o devido monitoramento dos gastos e investimentos públicos em suas mais diversas áreas. No âmbito institucional, esse monitoramento é feito, sobretudo, por instituições de controle externo como os tribunais de contas, em suas três esferas, união, estados e, alguns poucos, municípios. O trabalho desses tribunais funciona como uma auditoria externa de contas, como acontece no mundo real do mercado e entre qualquer empresa idônea e transparente, por força de sua competição por recursos privados do mercado investidor. E se é usual no mundo privado, mais urgente ainda teria de ser na esfera pública.

Mas até que ponto o papel dessas instituições públicas está de acordo com o que a sociedade espera delas? A cada dia, mais críticas surgem a respeito da escolha dos seus membros mais graduados, sejam ministros do TCU ou conselheiros dos TCEs. Atualmente, a escolha final é feita em parte pelo chefe do Executivo, e de outra parte pela maioria dos legislativos formada por pressão direta do mesmo Executivo, o que deixa margem para um jogo político muitas vezes pouco transparente. É o mais ilustrativo caso do dito popular da raposa tomando conta do galinheiro. Não custa lembrar que o trabalho dos tribunais de contas é justamente verificar se o poder Executivo está gastando o dinheiro público da maneira mais correta e eficiente.

E é por isso que algumas entidades da sociedade civil, focadas na agenda da transparência pública e no combate à corrupção, estão cada dia mais dedicadas a discutir o papel fundamental dos tribunais de contas para a cidadania. Dentre elas, a Rede Nossa São Paulo, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), o Instituto Ethos, a Associação dos Membros do Ministério Público de Contas (Ampcon), a Articulação Brasileira de Combate à Corrupção e Ilegalidade (Abracci), a Rede Amarribo Brasil e outras.

Visando à comemoração do Dia Internacional de Combate à Corrupção, 9 de dezembro, sucedem-se eventos no mundo inteiro para troca de experiências e fechamento de balanços de realizações e metas alcançadas no setor. Em 18 de novembro passado, inclusive, foram debatidas propostas para modernizar e tornar os tribunais de contas municipais e estaduais mais transparentes e acessíveis aos cidadãos. No auditório da FGV de São Paulo o tema foi “Tribunal de contas, esses ilustres desconhecidos”, tendo o próprio Tribunal de Contas do Município de São Paulo, o TCM-SP, servido como estudo de caso.

Muito ainda precisa ser feito para termos tribunais de contas realmente cidadãos, mais voltados ao bem comum e menos permeáveis a interesses da politicagem. Como alertou o procurador Diogo Ringenberg, presidente da Ampcon – Associação dos Membros do Ministério Público de Contas, e um dos debatedores convidados do evento, “um tribunal de contas técnico e menos político será mais eficiente e usual para a sociedade. Grande parte das mazelas sociais poderia ser evitada, caso a função das cortes de contas fosse levada a sério no país”. Para Elda Fim, verdadeira agente de cidadania e coordenadora da Ong Moral, dedicada ao monitoramento de gastos públicos, o importante é fortalecer as auditorias dos tribunais de contas, deixando para o Ministério Público o julgamento das contas auditadas, o que cortaria pela raiz o mal das nomeações de raposas para cuidar dos galinheiros.

Para que a parte mais ativa da sociedade possa acompanhar o tema do controle externo, e melhor qualificar o debate político nacional, é preciso superar a demandante e reivindicatória voz das ruas pelas objetivas e propositivas da voz dos cidadãos. Os participantes do evento ocorrido em São Paulo concordaram que é preciso aproximar estes órgãos de fiscalização da administração pública da sociedade, ampliando a transparência e tornando-os acessíveis ao cidadão. Entre as medidas defendidas está a instalação de ouvidorias em tribunais de contas, como o de São Paulo, que ainda não possui esse instrumento de diálogo com a população, e o estabelecimento de critérios para que os conselheiros indicados para os cargos atendam as exigências definidas na Constituição Federal. Para o professor Marco Antonio Carvalho Teixeira, do Departamento de Gestão Pública da FGV, “o principal cliente dos tribunais de contas é o cidadão e, só depois, o Poder Legislativo”. Ele lembrou que em dezembro abrirá uma vaga no Tribunal de Contas Municipal de São Paulo (TCM-SP), com a aposentadoria de um dos atuais conselheiros. “Talvez o mais importante neste processo seja discutir o perfil do futuro ocupante do cargo”, sugeriu.

De acordo com a Constituição Federal de 1988, os conselheiros precisam cumprir diversos requisitos para sua nomeação, o que não é observado em inúmeros TCEs do país. Integrante de uma das mesas do evento, o conselheiro do TCM-SP Maurício Faria destacou que a aplicação da Lei de Acesso à Informação não estar ainda regulamentada pelo Tribunal de Contas Municipal, um órgão colegiado composto por cinco conselheiros, 532 funcionários e orçamento de R$ 252.620.000,00 em 2013. Marcos Alcyr Brito de Oliveira, presidente do Sindilex (Sindicato dos Servidores da Câmara Municipal e do Tribunal de Contas do Município de São Paulo), sentenciou: “O grande papel dos tribunais de contas é fomentar o exercício da cidadania”. O presidente do Tribunal de Contas do Tribunal do Rio Grande do Sul, Cezar Miola, relatou a experiência do órgão que preside. Lá a ouvidoria já existe há 10 anos e o TCE-RS teve papel importante no questionamento do preço da passagem do transporte público em Porto Alegre, que recuou de R$ 3,05 para os atuais R$ 2,80.

Para o mediador do evento, Maurício Broinizi Pereira, coordenador executivo da Rede Nossa São Paulo, a partir do debate, “a ideia é fazer avançar a construção de um sistema nacional de controle externo das contas públicas”. Oportuno compromisso para os candidatos às eleições de 2014, vocês não acham?

* Jorge Maranhão é diretor do Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão. Email jorge@avozdocidadao.com.br

06 novembro 2013

A conexão entre corrupção e péssimos serviços públicos



Desde que as manifestações começaram em julho, temos percebido que a cidadania começa a fazer a necessária conexão entre a corrupção reinante e o sucateamento de serviços públicos essenciais, como transporte de massa, segurança, saúde pública e educação básica. Uma boa medida dessa percepção são os cartazes “vândalos são os políticos” que têm aparecido com frequência nos protestos. Urge, todavia, à cidadania atuante mostrar clara e definitivamente à sociedade como a
 
ineficiência de políticas públicas e a associação delituosa entre políticos, gestores públicos e empresas como Alstom, Siemens, Delta e tantas outras, afetam diretamente a qualidade de vida dos cidadãos das grandes cidades brasileiras.
Apenas no caso Alstom, a empresa é acusada de ter pago perto de 7 milhões de dólares em propinas para obter um contrato de 45 milhões de dólares na expansão do metrô de São Paulo. Perto de 15%, ou seja, para cada 10 vagões em um trem urbano comum, pelo menos um e meio não chega a existir, desviado pela corrupção. Segundo o Ministério Público de São Paulo, entre os anos de 2000 e 2007, foram desviados perto de 450 milhões de reais da construção de linhas do metrô e de trens de São Paulo. E aí? Nossos governantes e seus fornecedores andam de metrô? E mesmo os distintos membros do Ministério Público andam de trem?
E sem falar nos subsídios fiscais pontuais e ineficientes, e que deixam a sociedade entre a cruz e caldeirinha. Nas contas do consultor de infraestrutura Adriano Pires, um verdadeiro exemplo de cidadão atuante, a política pública de privilegiar o transporte individual, zerando a CIDE e reduzindo impostos como o IPI para a indústria automobilística, fez o Tesouro Nacional deixar de arrecadar cerca de R$ 30 bilhões desde 2008. O suficiente para a construção do tão falado trem-bala entre Rio e São Paulo, para não falar da ampliação das malhas metroviárias das duas maiores metrópoles brasileiras.
Esse volume gigantesco de dinheiro público desperdiçado - além da falta de regulação e fiscalização - tem reflexo direto na vida dos cidadãos. Um deles é o próprio preço das passagens urbanas, a queixa-base desde as manifestações de junho. Segundo dados do site mobilize.org.br, o custo médio das passagens de ônibus das seis maiores cidades brasileiras é o segundo mais caro dentre 22 metrópoles em todo o mundo. Dentre as doze malhas metroviárias mais extensas no mundo, nossas duas maiores, São Paulo e Rio de Janeiro, ocupam as duas últimas colocações. Muito pouco para a sétima maior economia do planeta.
Essa violência contra o cidadão na política pública dos transportes de massa é um massacre a olhos vistos. Diariamente os noticiários dão conta de casos de megaengarrafamentos, superlotação, panes e acidentes dos mais variados tipos. Um processo que começa a ser percebido agudamente pela sociedade, e até manifestado com violência no caso dos polêmicos “black blocs”, o que proporciona um perigoso clima de instabilidade social, e até mesmo a ameaça de anomia do Estado.
Falta a discussão mais urgente e necessária: propostas de soluções objetivas e eficientes. E que necessariamente devem passar pela reinvenção da política, pela transformação da relação entre políticos, agências reguladoras, empresas e sociedade. Em recente declaração pública, o ex-presidente Lula questiona a atuação dos black blocs que vandalizam o patrimônio público e privado escondidos sob suas máscaras, dizendo que sempre fez política de cara limpa, culpando a mídia profissional que desmoraliza a atividade política. Já seu companheiro da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, pondera que a mera repressão policial não resolve e que devemos conhecer melhor as motivações dos grupos do quebra-quebra. Enquanto seu colega do Ministério da Justiça, o deputado José Eduardo Cardozo, propõe uma comissão especial de investigação de atos de vandalismo com representantes da área de segurança pública federal e estaduais de São Paulo e Rio de Janeiro. Diante de tanta hesitação e decisões contraditórias, resta ao cidadão comum indagar se não seriam estas mesmas as causas de exacerbação das manifestações.
Afinal, o enviezamento esquerdista predominante em nossa prática política tem priorizado as funções sociais de um Estado provedor de direitos sociais ilimitados em detrimento direto de seu desempenho nas funções clássicas de garantir a segurança pública e arbitrar os conflitos naturais entre os cidadãos. Uma cultura política atravessada de cinismo, clientelismo, patrimonialismo, impunidade, violação legal, violência social, tolerância e relativização de valores morais. Que, para além da insuflação das massas populares com a demagogia do “Brasil de todos”, só poderá ser superada por uma maior participação de verdadeiros agentes de cidadania, que, com conhecimento especializado em políticas públicas das mais diversas áreas, possam gerar propostas viáveis, suprapartidárias e divulgadas para a devida qualificação do debate público com os cidadãos eleitores, numa verdadeira campanha de educação cívica e política. Para que não votem em cores ou bandeiras, ocos slogans da marquetagem eleitoreira dos mesmos políticos profissionais de sempre, mas sobretudo em propostas objetivas de novas políticas públicas, mais de estado do que de governos, mais de plenos cidadãos eleitores do que de eleitos.
Veja mais no link de nosso novo programa de Agentes de Cidadania em http://www.avozdocidadao.com.br/detailConteudo.asp?ID=2&SM=2%231
Publicado no Diário do Comércio de São Paulo em 1/11/13

03 outubro 2013

As vozes dos agentes de cidadania

Por força do trabalho de comentarista de rádio sou obrigado a monitorar, para além da “voz das ruas” das manifestações de indignação da sociedade, a própria “voz dos cidadãos” mais conscientes e com propostas concretas, mas diluídas ou sem o merecido espaço na mídia de massa. Com a exceção das publicações especializadas, veículos impressos de entidades e blogs pessoais, são propostas relevantes de construção de políticas públicas que carecem de maior visibilidade. Até mesmo para que não se viva na desesperança de achar que nada está acontecendo para além da massacrante cobertura ampla, geral e irrestrita da maracutaia cotidiana de nossa classe política. Um dos últimos casos que comentei, para dar um bom exemplo, foi a petição por uma tarifa mais barata no transporte público disparada neste mês nas redes sociais, em resposta ao tema mais frequentado nos cartazes e gritos das ruas: a questão do transporte público, caro demais e de péssima qualidade na grande maioria das cidades.
 
A proposta vem de membros da rede Nossa São Paulo e consiste na transferência de federal para municipal a arrecadação e gestão da Cide - Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, um imposto sobre a gasolina, com o compromisso, é claro, de que 100% sejam revertidos para o setor de mobilidade urbana de cada cidade. Uma proposta de cidadania que revela uma consciência crítica do modelo atual “dos grandes campeões”, de premiar megaempresas ou setores inteiros da economia com subsídios que não correspondem às prioridades dos cidadãos, são prejudiciais à competitividade de mercado, à qualidade final de produtos e serviços entregues aos cidadãos consumidores e à arrecadação dos cofres públicos. 
 
Assim como esta recente proposta, centenas de outras tenho comentado nos boletins de rádio e nas redes sociais da Voz do Cidadão nos últimos dez anos, o que me levou a decisão de reuni-las num único canal para ver se ganham mais espaço no noticiário das grandes redes de comunicação, única maneira que temos de fazer prevalecer na atividade política nacional a cultura de participação social da cidadania diante da cultura de impunidade e transgressão predominantes no nosso imaginário social.
 
Para tanto, contamos com os seguintes efeitos para um programa de mídia que denominamos de Agentes da Cidadania. Primeiro: a estruturação da informação percebida, segundo uma lei da filosofia que diz que a estrutura é mais do que a soma das partes. Juntar num único espaço, mesmo que virtual, centenas de propostas de cidadãos atuantes, resulta mais do que na diversidade dos autores e seus depoimentos, mas na possibilidade de uma mudança radical na relação política entre governantes e governados. Segundo: a superação da relação meramente reivindicatória de melhores serviços públicos - a voz das ruas - para uma relação de participação na própria formulação e execução das políticas públicas, a voz dos cidadãos, abre uma nova perspectiva política. A percepção gradual de que os primeiros depoimentos, de vozes isoladas "dos que detêm competência para discorrer sobre temas específicos" vão se transformando "num conjunto de cidadãos articulados numa ação política maior de participação e controle social das políticas públicas". Terceiro: o próprio resgate da uma elite, cuja função política é a verdadeira essência da democracia, onde só se supera a oclocracia do demos com a intermediação dos cidadãos atuantes que devem conduzir a res publica, o que chamamos de verdadeiros agentes de cidadania! Por último, atingiremos o efeito moral e cívico que supera o dilema paralisante de uma educação formal desqualificada, um jornalismo que dilui as propostas ao sabor do curso aleatório do noticiário, e o entretenimento que reproduz a corrupção dos valores predominante no nosso imaginário social. Para tanto, a proposta do programa de Agentes de Cidadania é dirigir para o espaço das redes sociais e dos intervalos das grandes mídias uma campanha perene de resgate de uma nova cultura política!
 
E para os céticos e cínicos de plantão, saibam que não estou a inventar a roda. Tais campanhas contam com modelos tão vitoriosos quanto históricos na transformação de uma cultura política de elites de países setentrionais, como o “Crime doesn’t pay” americano, por iniciativa da Fox Corporation na década de 40; a “Democratic Life” da Citizenship Foundation inglesa na década passada; e mesmo a “No votes por colores o discursos; vota por las mejores propuestas” da Televisa mexicana. O que vai de encontro a uma forte convicção que tenho desenvolvido nos últimos anos no campo da estratégia de argumentação e cujo princípio básico enuncia a mídia, não apenas como simples reprodutora dos fenômenos do imaginário social, mas também como coprodutora dos mesmos. Pois sabemos que o fato narrado não se limita à realidade, uma vez que este se compõe também e necessariamente dos fenômenos do imaginário social, ou, como alguns mais pedantes chamam, do Zeitgeist. Para tanto, a campanha de propostas dos Agentes de Cidadania deve seguir o roteiro de resgatar da mentalidade política dominante os valores morais da tradição clássica, que são muito mais fortes nas crenças da opinião pública do que pretende qualquer romântico progressista.
 
Para além dos valores morais, que devem fundar a atividade política, devemos resgatar crenças, uma vez que somos sempre movidos e comovidos pela esperança de alcançar uma "condição melhor" do que aquela na qual vivemos. Para além da informação sobre a realidade e o impacto da notícia, devemos ter em mente que também se muda uma cultura pela lembrança e identificação frequente das tradições, uma vez que é inimaginável o convívio social pacífico sem as mesmas. Se a narrativa do jornalismo quer dominar a razão pelo fato e a o entretenimento quer dominar a emoção pela imagem, o intervalo entre os dois pode ser esta “condição melhor” da esperança. Para tanto, a campanha deve ter a perenidade de uma crença e não apenas a fugacidade publicitária; e que pretenda convencer pelas propostas assim como persuadir pelos sujeitos. As propostas, por seu turno, devem ser simples e de alternativas objetivas de políticas públicas feitas, não por governantes apenas, mas por cidadãos atuantes que se encontram, mesmo que no espaço virtual da mídia, mas com faculdade de se reunir em assembleias presenciais. Para além de cidadãos capazes e conscientes, o efeito será o da convicção de que todos podem influir no espaço e nas políticas públicas, a despeito da notoriedade distanciada dada a celebridades e políticos pela mídia de massa. Como verdadeiros agentes de cidadania fazendo suas propostas, em pouco tempo nos cairá a ficha de que qualquer cidadão pode participar desde que tenha propostas claras e se engaje nas mesmas, predicados de uma verdadeira elite. 
 
Publicado no Diário do Comércio de São Paulo em 03/10/2013

 

13 setembro 2013

Além do grito

Se o Planalto não ouve os cidadãos e joga para a plateia com propostas inexequíveis, pra depois botar a culpa no Congresso que, por sua vez, se faz de mouco e devolve a batata quente pro Planalto, ambos esquecem que a cidadania está a reclamar exatamente desta distância olímpica do planalto central, símbolo da distância política entre governantes e cidadãos. Daí a enxurrada de petições na internet com propostas para todos os gostos, mais eloquentes do que os gritos e o quebra-quebra das ruas. A última, que julgo uma das mais importantes, se trata de uma petição por uma tarifa mais barata no transporte público que, disparada na internet desde o 7 de setembro, já passou das 30 mil adesões.
Já que nossos representantes empurram com a barriga propostas de reformas estruturantes de uma nova relação política entre governantes e governados, a reforma política, mãe de todas as reformas, os cidadãos objetivam propostas mais específicas e menos ambiciosas, mas que tem o condão de ser mais exequíveis, além de implicar numa nova cultura política. Como esta que foi uma das mais frequentes nos cartazes e nos gritos nas ruas: a questão do transporte público, caro demais e de péssima qualidade na maioria das cidades.
Para além do grito, cresce a consciência da cidadania de que o modelo atual de premiar setores da economia com subsídios e outras benesses não funciona a contento, e gera mais prejuízos do que benefícios aos cidadãos usuários de serviços públicos. Como a enormidade de subsídios que se concedeu à indústria automobilística, que privilegia um modelo de transporte privado e excludente ao contrário de um modelo de transporte coletivo e includente, além de menos poluente.
Se até hoje a cultura política dominante tem sido a de realização de grandes projetos vindos do poder central, começa a cair a ficha do cidadão que a maior eficiência e transparência das políticas públicas, sobretudo de saúde, educação e mobilidade urbana, devem estar na alçada dos poderes locais, mais próximos do controle do cidadão.
A proposta em questão, de iniciativa da Rede Nossa São Paulo, em parceria com a Frente Nacional de Prefeitos, se fundamenta no princípio da subsidiariedade: tudo que pode ser feito numa esfera local da administração pública não deve se distanciar para as demais esferas do estado e da união. Para tornar viável a redução do custo das tarifas do transporte público bastaria que a CIDE - Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, um imposto sobre a gasolina, passasse a ser municipal, e não mais federal. E, claro, com o compromisso de ser 100% revertida para o setor do transporte público de cada cidade.
Para a Rede Nossa São Paulo, recentes estudos da Fundação Getúlio Vargas mostram que um imposto de 50 centavos sobre cada litro da gasolina baratearia a passagem em nada menos que R$ 1,20. Em São Paulo, a passagem passaria de R$ 3 para R$ 1,80. Sem falar que uma medida como essa seria deflacionária, já que o preço da passagem de ônibus tem um peso maior do que a gasolina no cálculo da inflação. Além de colocar no ar o abaixo-assinado, a Rede quer mostrar aos nossos políticos que esta é a chance de tomar alguma medida realmente alinhada tanto com a voz das ruas como com a voz dos cidadãos mais atuantes.
Basta entrar no change.org/tarifamaisbarata e dar o seu apoio, qualquer cidadão que pretenda participar deste movimento de verdadeiros agentes de cidadania.
Por Jorge Maranhão
Publicado no jornal O Globo em 13/09/2013

10 setembro 2013

Agentes policiais e agentes de cidadania

Tenho lido nos últimos tempos muitas matérias e reportagens sobre a atuação das instituições de segurança pública frente às manifestações políticas em geral e a crise da política de pacificação no Rio de Janeiro, em particular. E gostaria de compartilhar com o leitor uma reflexão. Por que só se pensa em segurança pública diante de eventos de confronto das instituições policiais com os cidadãos? Seja no caso das manifestações de julho, no julgamento do Carandiru, nas repressões às invasões de propriedades, e até mesmo nas ações das unidades de pacificação que sobem às comunidades, o que a mídia de massa nos deixa visível quase sempre é a ação policial e não a do conjunto das instituições de segurança, como o ministério público, as perícias, a justiça criminal e demais entidades de monitoramento dos governos da sociedade.
 
No recente episódio do desaparecimento do pedreiro Amarildo numa ação da unidade da polícia pacificadora, a UPP, numa das maiores favelas do Rio, a Rocinha, as reportagens “acusam” os militantes de direitos humanos de precipitação ao responsabilizar a própria polícia militar do estado pelo sumiço do pedreiro. Quando sabemos que a instituição da polícia em si não mata, não pode ser objeto de processo penal, pois quem eventualmente sequestrou e matou o pedreiro foram agentes policiais a serem identificados pelas investigações. Além do que, os ativistas não se precipitam a desconfiar da instituição policial, mas apenas suspeitam, ação legitima de qualquer cidadão, uma vez que Amarildo, detido pela polícia, passou à condição de protegido do próprio Estado. 
 
A questão de fundo, portanto, é a do próprio grau de nossa cidadania, de nossa precária educação política. No imaginário social projetado pela mídia está sempre onipresente o braço pesado do Estado através de seu hiperativismo governamental. Nem me refiro aqui à imprensa sensacionalista, de cujas páginas a sabedoria popular diz que se torce sangue. Refiro-me aos próprios termos e seus sentidos utilizados nas matérias até mesmo dos jornais considerados imparciais. Não distinguimos os avisos de suspeita do cidadão, a busca de indícios e provas da ação de investigação policial, as funções de denúncia e acusação cativas do ministério público e, por fim, a sentença de culpa como ato privativo dos tribunais. 
 
A mídia brasileira de maneira geral acha que investiga, relata, denuncia, acusa e julga, isso quando não mistura tudo ou, o que é pior, limita em nosso imaginário o processo judiciário à atuação da polícia! Se a cidadania suspeita que elementos da polícia têm a ver com o desaparecimento de Amarildo, para não falar de possíveis conexões políticas na cadeia de comando da instituição, temos o dever de pressionar pela rapidez e eficiência das investigações, ao fim das quais se identificarão denunciados e acusados, jamais culpados, exatamente ao contrário das sempre precipitadas conclusões das reportagens. 
 
Não se trata apenas de trocas infelizes de verbos ou de licenças retóricas permitidas pelo ofício de escrever. Trata-se de um sintoma que revela o nosso imaginário social de fraco entendimento das funções institucionais do Estado e que, a meu ver, só pode ser superado pela qualificação de uma elite de cidadãos no próprio espaço público da mídia. Pelas manifestações de verdadeiros agentes de cidadania, cuja grande missão é exatamente a de discutir o que devam ser as melhores políticas de segurança pública, como, de resto, de direitos humanos, proteção à vida dos cidadãos e, sobretudo, as corretas atribuições do poder executivo com relação às demais funções institucionais do Estado.
 
A voz das ruas apenas grita, como é próprio do ativismo juvenil. Os cidadãos, não! Têm o dever de assumir suas responsabilidades políticas diante de outro cidadão que lhe cobra: - E você? Propõe o quê? Pois só são cidadãos aqueles que se “propõem a propor”, aqueles que se reúnem em assembleias de suas organizações, constroem consensos e partem para a defesa de suas propostas no espaço público da mídia e das redes sociais. O Brasil atravessa um momento político riquíssimo. Aquele em que os cidadãos estão percebendo que ainda não são cidadãos de fato, pois são apenas cidadãos pagadores de impostos e não cidadãos eleitores, que é a mínima contrapartida do direito mais sagrado de votar diante do dever mais básico de pagar imposto. Quando percebem a farsa demagógica das eleições em que representam o papel de eleitores bienais, mas que, uma vez eleitos, governantes e legisladores fazem o que querem com seus mandatos, servem mais aos interesses de grupos que lhes financiaram do que aos cidadãos que os elegeram. 
 
Os plenos cidadãos não são apenas os cidadãos compadecidos com a injustiça social, a traição dos políticos e a ineficiência da gestão pública. Não são cidadãos plenos aqueles em estado de solidariedade que, movidos pelo coração, se dedicam a enxugar gelo com o curto cobertor da filantropia. Assim como não são verdadeiros agentes de cidadania os cidadãos que se limitam a cumprir suas obrigações legais, cidadãos em estado de normas e legalidade, pouco se lixando com a cultura da transgressão da sociedade. Só são de fato plenos cidadãos os agentes de cidadania em estado perene de protagonismo político, que resolvem intervir no espaço público, monitorar os mandatos, orçamentos, a qualidade da gestão e das políticas públicas. 
 
E isso só pode ser feito com a mudança da cultura política vigente no país desde a colônia: a relação fisiológica e de compadrio entre governados e governantes que visa à privatização da coisa pública. A única coisa que pode mudar esta cultura nefasta é o consenso por uma reforma política exequível por verdadeiros agentes de cidadania. De forma a se pactuar a necessidade urgente de zelar a cada dia mais pela integridade da relação entre governantes e governados, através da consolidação de instituições políticas, jurídicas, de gestão e controle do Estado, mais afeitas ao perene interesse público dos próprios cidadãos eleitores do que aos dos eleitos da vez e seus cínicos financiadores.
 
Publicado no Diário do Comércio de São Paulo em 10/09/2013
 

01 agosto 2013

Balanço do recesso ou uma oportunidade para refletir

No balanço do recesso do mês de julho, pelo menos quatro eventos convidam à reflexão dos que acompanham a o estado da cidadania no Brasil: a publicação dos resultados da pesquisa Barômetro da Corrupção, o lançamento da nova temporada da série inglesa Downton Abbey, o documentário ainda em cartaz Hannah Arendt, e uma crítica sobre a cobertura da mídia à visita do Papa. Passadas as manifestações de junho, as pesquisas de opinião pública que detectam a queda geral de credibilidade dos políticos tupiniquins não apresentam nenhuma novidade para os cidadãos atuantes, que fiscalizam os governantes, discutem novas pautas de políticas públicas e, principalmente, procuram sempre mobilizar outros cidadãos a fazer o mesmo. A pesquisa do Barômetro da Corrupção, da Transparência Internacional, revela um dado animador: aumentou o percentual de cidadãos que acredita poder fazer alguma coisa contra a corrupção: de 77% em 2010 para 81% em 2012.
 
Quanto à série televisiva “Downton Abbey”, transmitida no Brasil pela GNT, que teve neste mês de julho a sua terceira temporada lançada em DVD, temos uma excelente oportunidade de refletir sobre a questão da moralidade pública na vida política nacional. A série conta a saga de uma família aristocrática inglesa desde o final do século XIX, passando pela Primeira Guerra Mundial, e seus esforços para defender seus valores num mundo abalado por conflitos. Mas, ao contrário do que poderia parecer a princípio, o forte da série não é a luta por sobrevivência de uma classe social enfraquecida contra outra em ascensão, como somos levados a interpretar precipitadamente pelo viés da luta de classes da propaganda socialista. O que conta em Downton Abbey são as relações intra-classes, e como os preconceitos, ambições e o mal intrínseco ao homem pela busca de poder podem ser vistos tanto nas classes abastadas como nos andares mais baixos da pirâmide social. E algumas vezes com tintas ainda mais pesadas. Ou seja, os vícios não são privativos da aristocracia, nem as virtudes são cativas das classes emergentes, sejam média ou proletária. Vícios e virtudes são humanos! Num mundo que estava mudando com rapidez, assim como o nosso hoje, é interessante perceber como a série vai focar os verdadeiros conflitos morais que fundam o próprio sentido da vida política. 
 
Quanto ao documentário “Hannah Arendt”, ainda em cartaz nos cinemas, trata-se de outra excelente oportunidade de reflexão sobre o momento político nacional. Uma das mais importantes pensadoras do século XX, a filósofa alemã de origem judaica Hannah Arendt, foi testemunha ocular das várias atrocidades patrocinadas pelo regime nazista dos anos 30 e 40, o que influenciou todo o seu trabalho ao longo da vida. Sua obra mais importante, “As origens do totalitarismo”, é usada até hoje para o estudo das motivações e dos processos que levam à distorção do que ela acreditava ser o maior bem do indivíduo, sua liberdade de escolha e a aceitação das responsabilidades dela decorrentes. Aliás, valor fundamental de toda a tradição judaico-cristã, através do conceito de livre-arbítrio que nasce já no livro do Gênesis. Quando o totalitarismo político tem a mesma origem na tradição do esteticismo alemão e seu ápice conceitual da “obra de arte total” wagneriano, origem romântica da ascensão do novo deus Estado sobre nossas liberdades. Quando em 1961 teve início o julgamento de um dos carrascos nazistas, Adolf Eichmann, Hannah, na qualidade de repórter da revista The New Yorker, relatou como sinceras as suas declarações de inocência a cerca dos crimes que lhe imputavam. Para ele, estava apenas cumprindo ordens superiores, o que não lhe conferia culpa alguma. E os cinco artigos históricos escandalizaram a opinião pública com a afirmação de que nem todos que praticaram os crimes de guerra eram monstros; eles tinham vidas bastante comuns e não viam seus atos como um crime em si, apenas como parte de um processo maior. Arendt também denunciou o envolvimento de alguns judeus que ajudaram na matança dos seus iguais, o que veio a demonstrar o conceito de “banalidade do mal”, base do seu pensamento sobre sistemas totalitaristas, nos quais não existe o espaço para contestação, sufocado através de um ataque à pluralidade de ideias que nos torna cidadãos senhores de nosso próprio destino. Pois o Estado não pode nunca ser forte demais a ponto de não nos permitir fazer escolhas individuais e por elas responder civil e criminalmente, como adultos conscientes das consequências de nossas livres-escolhas. Para a filósofa, a recuperação da cidadania no mundo moderno depende do resgate da moralidade pública, sempre acima da questão legal. 
 
Quanto à cobertura da visita do Papa Francisco ao Brasil, tomado como “O papa dos pobres” pelos shows de apelos da mídia de massa, mas de rasa capacidade de interpretação, vale a pena o comentário do professor e filósofo cristão Nivaldo Cordeiro. Como todos sabem, o atual pontífice é oriundo da ordem dos jesuítas, mas franciscano de coração. Por isso, assim que foi entronizado Papa, Francisco vem recusando sistematicamente diversos símbolos da ostentação papal. A cruz que está em seu peito é de metal, o trono talhado em ouro foi trocado por uma cadeira de madeira, os sapatos vermelhos de grife agora são calçados pretos comuns, e por aí vai.
 
Mas cabe aqui uma reflexão mais profunda sobre as preferências do Papa Francisco, na medida em que elas podem ser interpretadas erroneamente como um incentivo à chamada “opção preferencial pelos pobres”. Ou, simplesmente “pobrismo”, como observa o professor Nivaldo Cordeiro em recente vídeo divulgado pela internet. Ele comenta que é preciso cuidado ao se confundir o incentivo à busca por melhores condições de vida com um possível tratamento preferencial da Santa Igreja pelos mais pobres. E alerta: “a Igreja não é dos pobres. Ela é de todos. A Igreja foi feita para proteger a humanidade do mal. Ou seja, o princípio que norteia a Igreja é o amor ao próximo, e não a sua condição social”. Análise mais do que correta, sobretudo num país de conservadores como apurou uma pesquisa recente do Datafolha sobre a sociedade brasileira: ao contrário do que se diz por aí, 58% dos brasileiros acreditam que a motivação dos crimes tem origem na maldade das pessoas, e apenas 39% dos entrevistados acreditam que os atos são originados na desigualdade social. É óbvio. Na pobreza ou na riqueza, sempre existe a possibilidade de se escolher ou recusar uma vida de crimes. É uma questão de cidadãos adultos e responsáveis por sua livre conduta.
 
Um bom momento para refletirmos sobre os valores da cidadania que estão bem acima de qualquer condição social ou mesmo luta de classes.
 
 
* Jorge Maranhão é diretor do Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão. Email jorge@avozdocidadao.com.br

04 julho 2013

O que cabe às minorias

“É necessário reforçar os fins morais da educação e estimular, na minoria, a missão de esclarecer os demais.” Ortega y Gasset

No que se refere à cultura política nacional, o grande desafio dos tempos vindouros será o teor das respostas que a classe política dará às manifestações. Composta na sua maioria dos mesmos políticos fisiológicos da base do governo, e que agem como se nada tivessem a ver com o despertar da cidadania política dos jovens, não assumem a responsabilidade política de que a nação precisa. Sequer admitem que a horda de vândalos infiltrada nas manifestações pacíficas é produto imediato da anomia do Estado, da pré-falência das instituições ou da certeza da impunidade reinante por interesse desses mesmos políticos. Além de produto mediato da corrupção dos valores morais de uma esquerda romântica social-democrata e de uma esquerda gramsciana e pragmática instaladas no poder em associação direta com a oligarquia política que há décadas rouba o erário. Tudo isto em nome de uma cínica governabilidade que periga vir a se chamar de ingovernabilidade a qualquer momento.

Longe de representar a maioria dos cidadãos brasileiros, que são genuinamente ordeiros, crentes e conservadores, esta aliança nefasta das esquerdas com os políticos corruptos é a verdadeira causa das manifestações e depredações. Das manifestações pelo fato de trinta partidos políticos estarem há décadas a perverter os valores da democracia em rede nacional de rádio e televisão, e ainda por cima às custas de dinheiro público, quando prometem direitos ilimitados contra nenhuma responsabilidade política. Das depredações por que o que os vândalos destroem nas ruas é o mesmo patrimônio público que veem ser saqueado pelos políticos impunes nas denúncias diárias dos telejornais. Não cabe, pois, às massas uma cidadania política propositiva, uma vez que a natureza de sua cidadania é por definição rebelde e solidária apenas. Quando os políticos não representam mais os cidadãos eleitores, cabe à minoria dos cidadãos mais conscientes, empreendedores e pagadores de impostos, a maior missão da cidadania política, qual seja o exercício do controle social sobre os mandatos dos governantes, o funcionamento eficaz das instituições, a revisão das prioridades dos orçamentos públicos e, sobretudo, a formulação de novas propostas de políticas públicas. Fora isto, a convulsão social!

É claro que é injustificável a depredação do patrimônio público! Mas também é injustificável a impunidade de políticos que desviam reiteradamente o dinheiro público por conta de uma relação fisiológica com o poder e uma corrupção generalizada dos próprios valores fundamentais da democracia. Há tantos vândalos depredando a coisa pública nas ruas quanto dentro do Congresso Nacional! A questão é saber como a minoria dos cidadãos conscientes conseguirá convencer a maioria dos omissos quanto à urgência de afastar e punir a minoria dos vândalos. "Nenhum partido nos representa", portanto, não é uma bandeira política de todo sem sentido. É a expressão mais legítima do esgotamento de uma prática política nefasta e repudiada pela cidadania brasileira! As tarifas do transporte público, por exemplo, são apenas uma chave para mudanças em toda política pública de mobilidade urbana do país, sempre feita à revelia dos cidadãos usuários e pagadores de impostos, mas em conluio com as empresas concessionárias do setor. Quem quiser entender a verdadeira motivação das manifestações dos jovens, visite as redes sociais e constate a sua descrença para com a classe política, o clamor contra os partidos de aluguel, a desilusão dos “partidos dos corações partidos” e o ativismo em movimentos sociais multicêntricos, inorgânicos e plurideológicos, mas que não vivem às custas de fundos públicos apropriados pelos mesmos clãs de oligarcas imorais de sempre. 

O discurso demagógico generalizado das últimas décadas não corrompe apenas as massas, mas os próprios valores da democracia e da cidadania, da vida, da igualdade, da liberdade, da propriedade, da moralidade e da justiça. E quanto mais a grande mídia cobre as transgressões generalizadas em face da ordem e da lei, menor o espaço para as condenações da justiça, menor o discernimento entre democracia e demagogia, maior o baixo nível da atividade política no imaginário social do país. Liberdade é corrompida como licenciosidade sem o limite da lei. Cidadania como reivindicação de direitos sociais ilimitados, sem jamais as contrapartidas dos deveres políticos e cívicos. Igualdade perante a lei foi corrompida pela inatingível quimera da igualdade social. A propriedade foi corrompida como usurpação coletiva e não como produto do trabalho. A vida mesma, valor maior dentre todos os valores humanos, foi corrompida pelas alegadas condições de vida. E a justiça, razão de ser maior do estado, se corrompeu no populismo da justiça social. Quando todos sabem que a responsabilidade é o preço do livre-arbítrio! E ninguém é livre se não responde por suas escolhas, a necessária condição da liberdade. Como a própria lei que no Brasil é desprovida de senso moral ou moralidade pública.

Quando o presidente da Câmara, Sr Henrique Alves, afirma que desconhece a motivação dos jovens nas manifestações, demonstra não só a pré-falência da instituição que preside, quanto a própria incompetência para o cargo. O que legitima o abaixo-assinado de 1,5 milhão de  cidadãos pela renúncia de seu comparsa Renan Calheiros, e dá motivo de sobra para que os jovens saiam às ruas. Pois não cabe aos jovens a ação propositiva para as mudanças que estão a exigir. Cabe à minoria dos cidadãos empreendedores e pagadores de impostos se juntar a dezenas de entidades da sociedade civil, que estão a lutar pela reforma política, através da campanha “Eleições Limpas”, defendendo itens essenciais como um novo sistema eleitoral transparente, a proibição de financiamento de campanhas por empresas e outros temas. Cabe, enfim, aos cidadãos formadores de opinião assumer sua responsabilidade política e não permitir que o julgamento da história empacado no Supremo, no lugar de marco de uma revolução em nossos costumes políticos, acabe sendo um estopim para uma convulsão social!

12 junho 2013

O perigo da censura judiciária

Recentemente, foi confirmada pelos desembargadores do Tribunal de Justiça do Distrito Federal a decisão que, desde julho de 2009, impede o jornal O Estado de S. Paulo de publicar notícias sobre a operação Boi Barrica. Uma censura prévia imposta pelo desembargador Dácio Vieira a pedido do empresário Fernando Sarney, filho do senador José Sarney e investigado na operação.


Num momento em que o judiciário brasileiro está sob os holofotes, e desaparecem duas grandes lideranças da imprensa brasileira, como Ruy Mesquita, do Estadão, e Roberto Civita da Editora Abril, é oportuno se intensificar o debate público sobre a matéria.

Como sempre dizemos, o maior inimigo da democracia não é a tirania, aquela que empastelava as redações na época da ditadura militar. O maior inimigo da democracia é a demagogia, esta que é um mal muito mais difuso não apenas nos maus costumes políticos, como judiciais e até mesmo empresariais. No caso da Justiça, e no âmbito da primeira instância, a ameaça à liberdade de expressão pelo instituto da censura prévia é pior ainda. Uma vez que se trata de um grave desentendimento do que vem a ser a própria vida democrática substanciada pela liberdade de expressão, garantia pétrea da nossa Constituição e instrumento essencial para o próprio exercício da plena cidadania.

Em dezenas de casos recentes repercutidos na grande mídia, magistrados ignoram a cláusula pétrea em função de legislação infraconstitucional, como os tipos da injúria, calúnia e difamação da lei penal, ou a defesa da honra e da reputação privada, proferindo sentenças que impedem veículos de comunicação de informar os cidadãos sobre pautas de interesse público. Um bom exemplo foi denunciado há pouco tempo atrás no site Congresso em Foco: o caso do jornalista Lucio Flávio do Pará que vive perseguição política desde que começou uma série de reportagens-denúncia contra poderosos empresários locais e que está sendo sufocado com uma série praticamente ininterrupta de processos judiciais, contra os quais não tem meios de recorrer.
Num outro caso mais recente, o mesmo senador José Sarney, homem público dos mais ciosos de sua vida privada, está a mover uma ação por danos morais contra a jornalista Alcinéia Cavalcante, do Amapá, por conta de uma enquete em seu blog pessoal, onde perguntava quais seriam os políticos mais corruptos do estado. Como é costume, vários políticos foram citados pelos internautas, mas o nobre senador não gostou e processou a jornalista. No total, Alcinéia responde a 20 processos reclamando altas quantias a título de reparação por danos morais. Como ela não tem como se defender de tantos processos, pois vive com salário de professora aposentada, acabou condenada à revelia a pagar mais de 2 milhões de reais ao parlamentar.

Casos emblemáticos como estes criam um precedente para inibir o ânimo crítico, não só dos jornalistas, mas de todos os cidadãos. Ao mesmo tempo em que resulta na prática da autocensura psicológica, mesmo diante da firme defesa da liberdade de expressão empreendida pelo ex-ministro Ayres Britto ao dar cabo da Lei de Imprensa no STF há três anos atrás. O ex-ministro lembrou na época o inciso I do artigo 220 da Constituição Federal: “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”. E completou com o princípio do direito romano: “a existência do abuso não pode coibir o uso”. Vale dizer que se leis não podem, muito menos sentenças judiciais abusivas.

Ainda neste mês, a organização internacional Artigo 19 de defesa da liberdade de expressão e direitos humanos divulgou o Relatório Anual 2012 denunciando os casos de “graves violações à liberdade de expressão de jornalistas e defensores dos direitos humanos no Brasil”. Somente em 2012, 16 jornalistas e defensores de direitos humanos foram assassinados por manifestarem sua opinião através da imprensa. No total, 52 vítimas sofreram algum tipo de ataque por terem feito alguma denúncia, oral ou escrita.

A questão da liberdade de expressão está na pauta do dia em todo o mundo, depois que a Inglaterra começou suas discussões sobre a regulamentação e os meios de comunicação. Num seminário promovido recentemente no Rio de Janeiro pelo Instituto Palavra Aberta, em parceria com a Universidade americana de Columbia, o mesmo ministro Carlos Ayres Britto mais uma vez insistiu: “A liberdade de expressão é a expressão da liberdade”. Patricia Blanco, diretora do Instituto Palavra Aberta, foi taxativa: “Quanto mais ampla a liberdade de expressão, maior o desenvolvimento de uma nação”. E é justamente a denúncia de crimes de corrupção a maior motivação para esses crimes, de acordo com o relatório do Artigo 19.

Ayres Brito lembrou ainda que a magistratura de primeira instância não pode sacrificar a cláusula pétrea da liberdade de expressão, que garante um direito difuso de todos os cidadãos, e irreparável se suspenso em nome de um dano moral de honra ou reputação privadas seja lá de quem for, e facilmente reparável inclusive em espécie.

Nada mais perigoso para a cidadania, a vida republicana e a própria democracia do que este novo modo de sufocar a liberdade de expressão, pelo efeito de autocensura em que resulta a censura judiciária. E que, contrariando princípios constitucionais, corrompendo valores humanistas e democráticos, permite que qualquer um que tenha poder, influência e meios financeiros possa simplesmente se valer do pouco entendimento da Justiça comum para “calar a boca” de quem o está incomodando.

08 maio 2013

Legalidade e moralidade

No momento em que se discute o impasse entre poderes, sobretudo os limites funcionais entre quem cabe elaborar, interpretar e executar as leis, seria bom refletir sobre a nova pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, onde 54% dos brasileiros não vêem maiores problemas em burlar a lei. Nada menos do que 82% reconhecem facilidade em descumprir leis e 79% acreditam que, sempre que podem, apelam para o "jeitinho" para evitar cumprir as normas legais. O mérito da pesquisa é mais uma vez trazer à luz a imagem que temos de nós mesmos com relação ao entendimento do que seja a legalidade, um entre os valores que definem o próprio grau de cidadania que temos. Se nos restou uma visão enviesada do que seja o “império da lei”, caberia aos cidadãos auto-intitulados de uma elite social e política dar a sua contribuição para o senso comum.

Mas, infelizmente, o exemplo que temos de nossos políticos é de total ignorância, senão de pura má fé, acerca dos valores mais básicos da cidadania. E não se trata apenas deste caso mais recente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovar a admissibilidade de uma PEC que cria uma situação de confronto com o STF, quando propõe que o Congresso Nacional deve referendar as súmulas vinculantes e as sentenças decorrentes de ações diretas de inconstitucionalidade emitidas pelo Supremo Tribunal Federal. Ou seja, na prática, o Poder Legislativo passaria a controlar em última instância as decisões do Judiciário, numa grave ruptura do pacto republicano e do princípio de independência entre poderes. E, pior do que isso, explicitando a ignorância do que venha a ser as funções de cada um dos poderes, quando já se disse que, no manicômio institucional brasileiro, o executivo legisla, o legislativo julga e o judiciário executa.

E os exemplos não param aí. Não podemos esquecer de uma outra nefasta PEC que tenta silenciar o Ministério Público, a chamada “PEC da impunidade”. Sem falar em novos projetos que tramitam à revelia de decisões judiciais já transitadas em julgado, como o que sacramenta a quebra de contratos e do pacto federativo com a nova lei dos royalties. Ou o outro que cassa a liberdade política cerceando a criação de novos partidos. Ou o que dá acolhimento de mandatos de políticos já condenados pelo julgamento do mensalão na própria CCJ. Ou seja, legisla-se no Brasil hoje em dia, não em função do interesse público, mas em função da retaliação à independência do Poder Judiciário. Talvez pela pendência no próprio Supremo de juízos finais sobre ações de improbidade interpostas pelo MPF contra os presidentes das casas maiores do Legislativo brasileiro.

A chamada fúria legiferante dos nossos “pralamentares” acaba criando um emaranhado de leis inócuas e sem sentido para a cidadania e a moralidade pública. Diria mesmo que se trata, enfim, da concretização da velha máxima de Montesquieu: “as leis inúteis debilitam as leis necessárias”. Não é à toa que uma outra pesquisa da mesma FGV reitera há anos o baixo índice de confiança nas instituições políticas e nos partidos políticos ao contrário dos altos índices sempre atingidos pelas Forças Armadas, pela Igreja Católica, pelo Ministério Público, pela própria Justiça e pela imprensa. Ou seja: se não sabe, o cidadão comum tem uma correta intuição sobre os valores mais básicos da ordem, da segurança, da legalidade, da moralidade pública, dos ideais da república, enfim. Embora não entenda, o cidadão comum não cai na esparrela mais cínica dos políticos quando tentam argumentar a judicialização da política como ameaça à democracia, quando na verdade desejam apenas criar polêmica, factoides e sofismas para que não prevaleça a moralidade pública como o necessário limite às leis desnecessárias, espúrias e casuísticas. Quando sabem muito bem que o Judiciário é um poder inerte, que só age mediante a provocação de uma parte ofendida por estas mesmas leis, e não pela vontade de se politizar a Justiça como represália à judicialização da política, mero jogo de palavras que já não convence mais ninguém.

O argumento legal e sonso do desembargador que retira 500 mil reais de proventos num único mês dá guarida aos garçons “marajás” do Senado que ganham até 15 mil mensais. É legal, mas não moral! Trata-se simplesmente de exemplos tentadores para toda a sociedade de impunidade e imoralidade pública. E o que vem de cima para baixo dá margem a toda sorte de violências sociais advindas das violações morais vomitadas diariamente pela mídia. E “justificadas” no velho bordão que define como esporte nacional predileto a cultura da impunidade como pacto de omissão: “Quem tem rabo de palha não toca fogo no do vizinho”. Quando a moralidade pública exige o engajamento político do cidadão e não pode ser entendida ou limitada à moralidade religiosa ou mesmo à moralidade de costumes da vida social. Mas se trata essencialmente da moralidade política, sem a qual todas as demais expressões da vida moral se degeneram.

Se a nossas elites sociais e políticas fingem não saber disto, podem ficar certas de que o cidadão comum sabe muito bem. E cedo ou tarde cobrará a fatura, senão pelas vias eleitorais, pelas vias judiciais que começam agora a se fazer valer como expressão maior da cidadania.

13 abril 2013

Os royalties e a honra

Com a decisão monocrática da ministra Carmen Lúcia de suspender, em caráter cautelar, os dispositivos que previam novas regras de distribuição dos royalties do petróleo, atendendo pleito dos governos do Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo, a decisão do mérito deverá ser apreciada agora no início de abril pelo plenário do Supremo. Diante dessa “derrota” preliminar imposta pela ministra, o que fazem nossos legisladores? Quatro deputados (Júlio César/PI, Marcelo Castro/PI, Ronaldo Caiado/GO e Humberto Souto/MG) já colhem assinaturas para uma PEC que altere “na marra” os percentuais de distribuição dos royalties. Parece que não aprendem nunca. Evidentemente que tal PEC também será questionada no Supremo, dando mais munição ainda a grita generalizada contra a “judicialização da política”. Como se política fosse tarefa exclusiva de políticos profissionais e não de todos os que convivem na polis. Como se não fizessem por onde ter suas iniciativas contestadas pelo judiciário. Como no caso desta nova lei dos royalties que segue no mesmo caminho, uma vez que a CCJ, para além de comissão revisora de redação, deveria ser também, e com total independência, uma comissão de defesa efetiva dos valores e princípios que fundamentam a constitucionalidade das leis.


De embate entre poderes, esta já está sendo considerada mais uma vergonhosa trapalhada produzida pelos nossos congressistas, no que já foi chamado de “deslealdade federativa” ou mesmo “canibalismo federativo”. Não custa lembrar que, para além dos princípios da vida, da liberdade e da propriedade, o princípio da honra – sobretudo como honra a contratos - vem sendo esquecido no Brasil como um dos mais firmes pilares da cidadania e de todo o processo civilizatório do ocidente. Daí, a cláusula pétrea do inciso 36 do artigo 5º da CF: a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Ao estabelecer um novo marco regulatório, que passa por cima de contratos acordados anteriormente, nossos legisladores jogaram para o alto o princípio da honra e da legalidade - para não falar da moralidade - institucionalizando uma triste e desastrosa quebra de palavra e contrato empenhados e fazendo surgir uma desnecessária e custosa insegurança jurídica. Mais do que isso, a nova proposta de lei força os estados produtores ao não cumprimento de seus próprios compromissos contratuais atuais, posto que estes foram firmados dentro de um marco jurídico totalmente diverso. Para não imaginar a retaliação que já se imagina iniciar da forma a mais selvagem com a criação de novos encargos tributários para o setor de petróleo, na ânsia de reequilibrar as finanças públicas das fazendas estaduais atingidas.

Mais uma vez cabe uma urgente e oportuna reflexão. Esse verdadeiro vício de nossos agentes governamentais em usar a legalidade - daí a expressão alegar - para se romper com a moralidade pública é um dos traços mais espúrios de nossa cultura política, além de sobejamente conhecida causa de nossa paralisia econômica, o entrave maior, o verdadeiro gargalo de nosso desenvolvimento. Usa-se a lei como se fosse o único princípio na condução dos negócios públicos, da República mesma, como se as leis não pudessem ser corrompidas se desacompanhadas dos demais princípios como a moralidade, a impessoalidade, a eficiência e a publicidade. Temos visto e revisto estes filmes repetitivamente no melancólico festival de nossa demagogia. Usa-se a fúria legiferante para justificar a ineficiência do poder público, para prejudicar inimigos políticos, para se extorquir empresas e mesmo para paralisar iniciativas da sociedade, e sem a menor cerimônia, como se fôssemos um bando de parvos cidadãos de segunda classe.

Fica aqui, pois, a dica para pelo menos três grandes lutas da cidadania para os próximos meses: a revisão do pacto federativo, a reforma política e a luta contra a PEC da Impunidade que pode atingir mortalmente uma das maiores conquistas da Carta de 88, que foi a independência e autonomia do Ministério Público. Uma agenda que só se viabiliza com a união estratégica de organizações da sociedade civil, associações de representação de carreiras de estado e os centros de estudo, pesquisa e elaboração de políticas públicas de universidades. Para não falar na própria mídia que tem sido imprescindível na sua função maior de dar visibilidade às iniciativas da cidadania. Aliás, que tal começarmos a pensar formas e meios de implementar mecanismos que punam nossos políticos quando estes fazem a União, os estados, o Judiciário e os cidadãos pagadores de impostos perderem tempo e recursos com propostas demagógicas e flagrantemente inconstitucionais?

* Jorge Maranhão é diretor do Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão.
Email: jorge@avozdocidadao.com.br







11 março 2013

Eleições limpas: a cidadania no encalço dos políticos

Depois que a sociedade se indignou, foi às ruas e aprovou no parlamento a lei contra acompra de votos em
1999 e a Lei da Ficha Limpa em 2010, agora surge uma nova e decisiva oportunidade de atuação da cidadania: areforma política. Em sequência ao vertiginoso processo que alcançou mais de um milhão e meio de assinaturas pelo impeachment do senador Renan Calheiros, durante esta última quinzena de fevereiro, dezenas de organizações da sociedade civil começaram as discussões sobre que tipo de reforma política é mais objetivo para mobilizar os cidadãos e mais viável para desencadear o processo legislativo. Pois todos já sabemos que o maior problemada democracia é um sistema político de representação em que os mandatos acabam sendo mais dos partidos e dos políticos eleitos do que dos cidadãos eleitores, os verdadeiros donos dos mandatos e que pagam toda a conta dos impostos. E a crise de representatividade é um fenômeno da maioria das democracias ocidentais, vide o movimento 5 estrelas agora nas eleições italianas.


Na última semana de fevereiro, na sede da OAB em Brasília, as 35 organizações que formam o MCCE deram início ao processo de discussões sobre a proposta de reforma política e já chegou a um consenso quanto ao tema central que será o financiamento de campanhas eleitorais, com destaque para a criação de instrumentos legais que proíbam empresas de fazerem doações a candidatos e partidos, um dos grandes focos de corrupção política, como reconhecido por todas as instituições jurídicas e de controle brasileiras, como o STE, o MPF, a CGU, o TCU e outras.A ideia do grupo é reeditar uma grande campanha de coleta de assinaturas para um projeto de lei de iniciativa popular nos mesmos moldes do que foi feito para a Lei da Ficha Limpa. Mas, desta vez, acompanhada também de uma forte movimentação na internet.A expectativa é alcançar ainda neste semestre as um milhão e trezentas mil assinaturas impressas necessárias, dentro da atual legislação, para que um projeto de lei de iniciativa popular possa tramitar no Congresso.

Segundo o juiz Márlon Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa,“na primeira reunião para se discutir a Lei da Ficha Limpa, em 2009, compareceram apenas 5 pessoas; agora, já temos de início 35 organizações, representando centenas de entidades e milhões de pessoas em todo o país”. Veja o vídeo do MCCE que já circula na internet com o alerta sobre as consequências de doações ilícitas de empresas às campanhas eleitorais: www.youtube.com/watch?v=cx7Cn6p163s. A grande novidade é que qualquer cidadão pode participar do processode elaboração do projeto de lei, a ser redigido por uma comissão relatora do MCCE, através do emailreformapoliticamcce@gmail.com.

A iniciativa das Eleições Limpas já repercute no Congresso Nacional e o projeto de lei relatado pelo deputado Henrique Fontana (PT-RS), que não tramitava por alegada “falta de consenso”,já passou a ter prioridade. Segundo ele, “para não ser atropelado pelo projeto de lei de iniciativa popular do MCCE”. O próprio presidente da Câmara, Henrique Alves, já confirmou, nesta quinta-feira (28), a votação da reforma política pelo Plenário nos dias 9 e 10 de abril. E os principais pontos que serão colocados em votação: o financiamento público de campanha, a coincidência temporal das eleiçõesmunicipais, estaduais e federais, a ampliação da participação da sociedade na apresentação de projetos de iniciativa popular, inclusive por meio da internet (500 mil assinaturas para a apresentação de um projeto de lei e 1,5 milhão para proposta de emenda à Constituição), nova opção de lista flexível, em que o eleitor continuaria votando no deputado ou no partido, mas só o voto na legenda é que reforçaria a lista apresentada pelo partido e outros itens.

A novidade é que ambos os processos, da coleta de assinaturas da sociedade e da tramitação do PL dos parlamentares, serão mutuamente enriquecedores. Já no primeiro debate dos integrantes da comissão relatora do MCCE, seus membros chegaram ao consenso de que o escopo da proposta de iniciativa popular precisa se ater à proposta de lei, não podendo versar sobre temas que exigem proposta de emenda à Constituição (PEC), já que não há previsão constitucional de iniciativa popular para tal, o que poderia ser usado para barrar o processo.

Na segunda reunião, a comissão avançou no escopo: a proibição do financiamento privado de campanha, em especial por empresas que contratam com a administração pública. O novo modelo de financiamento, porém, exigiria normas claras para aplicação dos recursos que financiarem as campanhas, regras de transparência, prestação de contas na internet e formas de controle público (pelo TSE e TCU) e de controle social pelas organizações da sociedade.

Houve, ainda, avanço nas discussões sobre as formas de democracia direta, uma vez que esta tem sido a grande tendência mundial, com o advento de novas ferramentas e sistemas de internet de participação direta e que podem mudar totalmente o modelo de representação política tradicional. Como aconteceu nas eleições deste ano na Itália com a campanha de Beppe Grillo toda feita pelas redes sociais.Ou em 2011, quando a ativista social Anna Hazare mobilizou 35 milhões de pessoas na Índia, para pressionar os políticos locais a aprovar uma legislação anti-corrupção, usando um sistema de "chamadas não atendidas", através do qual os cidadãos ligavam para um número de telefone e deixavam uma chamada perdida para demonstrar que apoiavam aquela causa.Veja mais em http://www.kickstarter.com/projects/therules/crowdring-a-mobile-organising-tool?ref=live

* Jorge Maranhão é diretor do Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão. Email: jorge@avozdocidadao.com.br

05 fevereiro 2013

Santa Maria e a justiça dos homens

Diante dessa tragédia inominável que se abateu sobre jovens inocentes em Santa Maria cabe aqui uma reflexão sobre a responsabilidade civil e criminal, que é apenas o sentido primeiro da cidadania, e a consequente responsabilidade política, sentido último de uma plena cidadania. Evidentemente, o momento agora é de dor, solidariedade e de investigação sobre as causas da catástrofe e suas consequências criminais. Mas é preciso também que a ação de investigação, a cargo da Polícia Civil e do Ministério Público, faça a devida apuração de eventuais responsabilidades administrativas e criminais de órgãos e agentes públicos dos próprios governos estadual e municipal, aos quais compete a fiscalização de estabelecimentos de frequência pública, e que podem inclusive ser indiciados por eventual negligência e omissão na prevenção e fiscalizaçãocontra eventuais sinistros. A intensa sucessão de reportagens na mídia tem se constituído numa oportunidade inigualável para o aprendizado de massa do processo de conscientização sobre a própria cultura de cidadania. Se num primeiro momento se clama por solidariedade, num segundo se clama por justiça. Na busca de fazer as instituições funcionarem no processo investigatório, logo veremos o despertar do exercício da plena cidadania quando se começar a cobrar dos governantes as condições de as mesmas funcionarem.

Com a tragédia de Santa Maria, um ou outro noticiário nos deu conta de como funcionam os programas de prevenção contra catástrofes em países de cultura política mais avançada, como atuam as autoridades de fiscalização e as instituições de apuração de responsabilidades, de indiciamento e julgamento dos culpados. A mídia também nos faz lembrar de casos semelhantes, ocorridos no nosso passado recente. Destaco aqui o ocorrido na casa de show Canecão Mineiro, em Belo Horizonte em 2003 pela rigorosa semelhança com o caso da Boate Kiss de Santa Maria. Mesmíssimos fatores de risco: queima de fogos em local fechado, superlotação, falta de saídas de emergência adequadas, sinalização e extintores inadequados e fiscalização precária do poder público. Na época, depois da responsabilidade comprovada pela investigação da Polícia Civil, o Ministério Público entrou com ação civil na justiça contra o próprio estado, na figura do Corpo de Bombeiros, e contra a prefeitura, responsável pela fiscalização e concessão de alvará de funcionamento ao estabelecimento. Depois de perder nas duas instâncias do TJ mineiro, o Ministério Público recebeu o acórdão final do Superior Tribunal de Justiça, que não poderia ser mais emblemático: “não existe nexo de causalidade entre a alegada omissão do poder público e o incêndio ocorrido”. Ou seja, para os ministros do STJ, se o Estado não fiscalizou - e com isso deixou centenas de pessoas à mercê de uma falsa “fatalidade” - tudo bem. Ele não poderia ser responsabilizado por nada. Justiça só para as pessoas físicas: o empresário da banda e alguns integrantes, e o dono da boate, que foram condenados apenas àprestação de serviços comunitários. É, portanto, de estarrecer como o crime compensa no Brasil, ao contrário do que nos ensinam nações de cultura de cidadania política mais desenvolvida!

Se somos campeões de empreendedorismo e incansáveis geradores de riquezas, apesar da concorrência desleal de agentes da lei corruptos e agentes da economia informal e ilegal, não conseguimos influir em políticas públicas e olhar para mais além do que nossos legítimos e imediatos interesses privados. Um eventual julgamento de autoridades e governantes omissos,no caso de Santa Maria hoje, seria diferente da estapafúrdia absolvição no caso de Belo Horizonte de uma década atrás? Pois bem, para o exercício de uma plena cidadania temos de refletir sobre a nítida falta de independência do judiciário, principalmente de suas maisaltas cortes, em relação ao Poder Executivo, como salientou o Ministro Joaquim Barbosa no seu discurso de posse ao criticar o processo de indicação e escolha atualmente em vigor. Como se sabe, os presidentes de cada Tribunal de Justiça estadual são escolhidos pelo governador do estado, através de uma lista nem sempre representativa da vontade de todo o corpo de magistrados. E os ministros do STJ e do próprio STF o são pela presidência da República. O que esperar então de decisões judiciais que pleiteiam a condenação do Estado, na figura de governantes que os nomeou?

Setores do próprio Judiciário começam a se articular contra esse sistema. A Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, a Amaerj – Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro – e outras entidades congêneres defendem há algum tempo uma maior democratização na escolha dos integrantes desses tribunais. Assim como uma PEC do Senador Cristóvam Buarque, parada na CCJ sem relator designado, que tira dos poderes executivos a escolha de presidentes de tribunais e ministros de cortes superiores.

No caso de Santa Maria, o Ministério Público estadual já instaurou inquérito civil público para apuração de responsabilidades civis, para além das criminais. Resta saber se, passados dez anos, não evoluímos nada em termos de cultura política e de cidadania e o destino desse inquérito será o mesmo daquele de Minas, que não enxergou nexo de causalidade entre uma tragédia evitável e a responsabilidade do Estado em prevenir, fiscalizar, multar e julgar os que acham que normas e leis são apenas entraves de dificuldades para se vender facilidades.

03 janeiro 2013

A responsabilidade moral da mídia

Tenho comentado aqui o processo de corrupção de valores da sociedade brasileira e apontado para algumas instituições como responsáveis pela sua perpetuação ou pela sua superação. Em tempos de julgamento de mensalão, é crescente a exigência de moralidade pública por parte de pelo menos vinte milhões de eleitores empenhados na superação da nossa cultura de transgressão por uma cultura de plena cidadania. Temos dito que o Brasil tem mudado, muito embora setores da vida política, do judiciário, do empresariado, da academia e da mídia ainda resistam a esta ideia que nos parece evidente. Estamos todos a exigir responsabilidades de todos: responsabilidade civil do cidadão comum, responsabilidade fiscal dos governantes, responsabilidade social dos empresários, responsabilidade política dos mandatos parlamentares, responsabilidade moral da mídia, enfim de todos diante de todos, a condição da paz social e da própria liberdade.

Todavia, não fui questionado por nenhum representante de nenhum destes segmentos, com exceção de um amigo produtor de conteúdo de entretenimento, que me alegou exatamente o limite moral de sua função, muito embora concordasse com a crítica que faço à mídia brasileira como espaço público por excelência. Se os sistemas de representação política, do judiciário, da educação e empresarial têm falhado no dever moral de resgate e transmissão de valores, por que não se tenta a mídia, cuja qualidade de conteúdos é uma das mais reconhecidas pela própria sociedade? Não tendo aceitado a cobrança, me alegou seus dilemas morais entre introduzir ou não cenas de construção de valores em seus roteiros, dados os direitos de livre consciência por parte do telespectador numa sociedade democrática. Além do que o canal para o qual trabalha já faz merchandising social em suas novelas para além de campanhas filantrópicas. Esclareci que não me referia à cidadania de solidariedade, traço jesuítico de nossa formação cultural, mas a valores cívicos e morais. E comecei a listar o repertório de valores corrompidos no nosso imaginário social, se não produzidos, com certeza reproduzidos pela mídia:

1. A mórbida cobertura sensacionalista de toda sorte de delitos em detrimento direto das respectivas penas; mais da delinquência política dos governantes do que da ação das organizações sociais de controle e monitoramento do poder público;

2. A cidadania representada sempre como intitulação, antes de direitos sociais do que de deveres políticos; antes como solidariedade do que como legalidade ou moralidade pública;

3. A representação da coisa pública como “algo de ninguém”, necessariamente degradada, ao invés de “algo de todos” e por todos cuidada;

4. A deturpação do valor transcendente da vida pelas condições "sociais" da vida;

5. A deturpação do valor da justiça pelo pleonasmo da justiça “social”;

6. A deturpação do valor da igualdade perante as leis pela utópica  "igualdade social”;

7. A representação indistinta de estado e governo;

8. A usurpação do lugar simbólico de Deus, da religião e da família pela exacerbação do Estado-provedor e sua representação indistinta como estado patrão, melhor empregador e empresário;

9. O entendimento deturpado da liberdade enquanto ausência de leis ou limites, licenciosidade ou privilégio, numa perspectiva de identidade; e não enquanto liberdade de se fazer o que quer limitada à perspectiva da alteridade, do outro também poder fazer o que quer;

10. O valor da propriedade representado por caricaturas de edificações neoclássicas de palacetes ou fábricas de chaminés; e não a propriedade imaterial e intelectual, da liberdade de escolha do destino de um bem privado e até de si mesmo;

11. A visão deturpada do poder executivo como o poder dominante quando a rigor é apenas o poder que executa o orçamento aprovado no legislativo e as sentenças exaradas do judiciário; e a consequente sub-representação da função judiciária do estado, ou seja, a sua própria origem ontológica;

12. A deturpação do conceito de controle social, tomado mais como controle dos governos sobre a sociedade do que, exatamente o contrário, o controle social da sociedade sobre os governos, os mandatos e a boa aplicação do orçamento público;

13. O empresário privado visto apenas como o grande empresário ganancioso e explorador, e a consequente redução da responsabilidade social empresarial a uma propaganda de reputação institucional limitada à responsabilidade socioambiental e excluída a sua responsabilidade política;

14.  A redução da participação política do cidadão ao dever, e não ao direito, de votar nas eleições; e a redução da ação política à astúcia, vontade e poder de caciques partidários;

15.  A redução da representação das instituições de estado mais às instituições de segurança pública e coerção policial do que às instituições jurídicas e de controle e fiscalização do poder público;

16. O falso dilema entre a natural eficiência da gestão privada e a pretensa virtude dos valores públicos, ou a generalização dos vícios de ambos;

17. A redução da moralidade pública à moralidade religiosa e a falsa equivalência conceitual entre moral e ética; a redução da exigência da moralidade pública a meras campanhas moralistas;

18. A omissão das doutrinas políticas conservadoras, ou mesmo liberais, diante da superexposição das doutrinas socialistas e socialdemocratas;

19. A deturpação do conceito de contribuinte ao invés de pagador de impostos;

20. A deturpação do sentido de educação política, que passa a ter cunho meramente político-partidário e não de responsabilidade política de todos os cidadãos em fiscalizar e cobrar resultados de mandatos e governos.

Antes que meu amigo me voltasse a justificar seus limites morais, interrompi o inventário com a provocação sobre seus dilemas morais. Era ou não seu dever moral interferir na reprodução deste imaginário social totalmente corrompido e colaborar para a superação do chamado "merchandising social" ao menos por um merchandising verdadeiramente cívico? Ficou de pensar e me retornar com os votos de um país melhor para todos nós em 2013.